Nas últimas décadas, o legislador e, em especial, o regulador buscaram facilitar aos acionistas a fiscalização e contribuição ativa na orientação dos negócios sociais em prol do desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro. Para tanto, a Lei das S.A. garante instrumentos – e a regulamentação da CVM facilita – aos minoritários direitos como o de solicitar informações, convocar de assembleias gerais, propor ação de responsabilidade contra administradores, indicar membros para os conselhos de administração e fiscal, entre outros.
Investidor ativista é aquele que faz uso das prerrogativas para monitorar a gestão da companhia e busca influenciar no processo decisório a fim de garantir que seus direitos e o interesse social sejam observados.
Nesse sentido, os ativistas, que visam à geração de valor no longo prazo, cumprem importante papel no aprimoramento da governança da companhia e na supervisão da aplicação da Lei e da regulamentação. Por outro lado, apesar do tabu em torno do tema, o minoritário não pode ultrapassar os limites dos direitos que lhes são conferidos de modo a gerar prejuízos à companhia, devendo tais abusos ser coibidos com o mesmo rigor que aqueles cometidos pelo controlador.
Interessante notar, no entanto, que nos mais de 45 anos de história da CVM não foi identificado um único processo sancionador julgado pela autarquia envolvendo abusos cometidos por acionistas minoritários.
Nota-se que com a evolução do nosso mercado, deu-se o amadurecimento dos stakeholders, uma dispersão cada vez maior das bases acionárias das empresas e, em paralelo, a evolução da regulamentação da CVM e da autorregulação de forma a viabilizar o exercício efetivo de direitos por minoritários.
Por outro lado, todos esses fatores somados à absoluta ausência de precedentes na CVM levados a julgamento apurando a responsabilidade por eventuais abusos de minoritários, contribuem não só para o crescimento do ativismo – mas também para sua distorção, o comportamento oportunista e predatório.
Isso porque, não obstante tal inexistência de precedentes, tem sido cada vez mais frequentes as ações de minoritários em claro desacordo com o interesse social, abusando do direito de requerer informações, ao inundar a companhia de notificações, apresentar denúncias vazias e reclamações sem substância, exclusivamente com o intuito de tumultuar o andamento dos negócios sociais e muitas vezes em momentos críticos da vida das companhias (como em operações de combinação de negócios ou reorganizações societárias). O interesse é um só: extrair da companhia e controladores, sob pressão, vantagens particulares no curto prazo. A situação é agravada no cenário atual, no qual a disputa acontece não mais nos autos dos processos, mas, principalmente, em redes sociais, com o poder de veicular informações em massa, causando prejuízos imediatos à companhia aberta, seus acionistas e demais agentes envolvidos, bem como à regular formação de preço dos valores mobiliários, independentemente da veracidade dos fatos articulados.
Tais situações de evidente abuso de minoria, espécie do gênero abuso de direito, constituem conduta ilícita caracterizada por atos praticados em detrimento do próprio interesse social. Significa dizer que quem arca com o custo que surge da conduta oportunista é toda a comunidade acionária.
Ao que se nota, a necessidade de análise casuística para a sua caracterização, ao lado dos poucos casos julgados que tratassem do assunto tornam incipientes as discussões a respeito de abuso de minoria no Brasil. Nada obstante, considerando evolução do nosso mercado, é fundamental que as autoridades também passem a coibir situações de abuso perpetrado por minoritários, com vistas à preservação justamente do salutar ativismo responsável, que traz benefícios não só à companhia, mas ao mercado de capitais como um todo, ao garantir sua estabilidade.
*Alexandre Gossn Barreto e Victor Guita Campinho são, respectivamente, sócio e associado sênior de Cescon, Barrieu, Flesch & Barreto Advogados