O sistema tributário brasileiro é complexo e burocrático. Para se ter uma ideia, desde 1988, quando a atual Constituição Brasileira foi instituída, já foram editadas mais de 390 mil normas relacionadas ao tema e criados inúmeros tributos, tais como CPMF, Cofins, Cide, CIP, CSLL, PIS e ISS. Além disso, trata-se de um sistema regressivo, que incide mais sobre o consumo do que sobre a renda, com tributação cumulativa. Toda essa complexidade gera alta litigiosidade – são 32 milhões de processos e R$ 3 milhões em passivos tributários – e insegurança jurídica que, por sua vez, diminui a atração de investimentos no país.
Como solução para estes gargalos, o mantra repetido incessantemente por diversos setores da sociedade há algum tempo é de que o sistema tributário brasileiro necessita passar por uma extensa e profunda reforma. Nos últimos anos algumas propostas nesse sentido foram feitas, com destaque para três delas: as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45/2019 e 110/2019 e o Projeto de Lei (PL) 3887/2020, iniciativa do Poder Executivo. Para a advogada tributarista e consultora do grupo de Reforma Tributária da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Mary Elbe Queiroz, apesar de bem intencionadas, nenhuma dessas propostas, da maneira que estão formuladas, resolve os problemas do país nesta esfera.
Segundo Mary Elbe resumidamente nenhuma das propostas cumpre a promessa de reduzir a carga tributária, simplificar, trazer neutralidade, transparência ou segurança jurídica ao sistema tributário para que empresas invistam. A PEC 45, por exemplo, estipula a eliminação de cinco tributos (IPI, PIS/PASEP, COFINS, ICMS, ISS), mas mantem o IOF e cria mais um tributo, denominado IBS. Além disso, estipula um período de transição de 10 anos. “Ou seja, durante uma década, o número de tributos aumentaria ao invés de diminuir”, diz. A mesma PEC prevê um prazo de 50 anos para que toda a reforma seja finalizada. “Quais investimentos serão atraídos por uma reforma que só se completa em cinco décadas?”, indaga a advogada.
Da mesma maneira que a PEC 45, a PL 3887/2020 não preza pela neutralidade, já que prevê o aumento da carga tributária para alguns setores, tais como pessoas jurídicas optantes pela tributação sobre lucro presumido, empresas da construção civil, empresas da área de educação, serviços hospitalares, empresas de comunicação, prestadores de serviços profissionais (médicos, advogados etc.), entre outros. Conforme a advogada tributarista, a argumentação do Governo Federal para esta maior tributação é de que que aqueles que consomem a prestação de serviços apresentam maiores recursos financeiros e podem pagar por isso. “Mas, ora, quem presta não costuma ter tantos recursos e será afetado da mesma maneira”, afirma.
Para demonstrar a falta de transparência das propostas de reforma tributária, Mary Elbe cita o exemplo da PL 3887/2020, que prevê a criação do tributo CBS, com uma alíquota de 12%, mas não apresenta nenhum estudo que justifique este percentual. Além disso, destaca a advogada tributarista, a PL diz que acoplará as PECs 45 e 110 a sua proposta. “Se isso significa que as propostas irão conviver paralelamente ou se as PECs serão assimiladas pela PL 3887/2020 não fica claro para ninguém”, comenta.
Desse modo, para Mary Elbe, antes de uma reforma tributária, seria necessário que houvesse a reestruturação do Estado e dos gastos públicos nacionais. A advogada tributarista destaca que o país não pode querer carga tributária baixa se tem despesas altas. O problema, segundo ela, é que há uma má qualidade do gasto público, com ineficiência dos serviços públicos. “Assim, minha proposta seria inicialmente analisar o custo Brasil e fazer uma reforma administrativa, para só depois refletir sobre qual carga tributária a sociedade almeja e daí partir para uma reforma tributária”, diz.
No que diz respeito à reforma tributária propriamente dita, Mary Elbe destaca que ela precisa efetivamente simplificar e trazer mais transparência ao sistema de tributação nacional, algo que nenhuma dessas propostas até o momento conseguiu. Conforme a advogada tributarista, é preciso também ampliar a base contributiva, para reduzir o peso excessivo da carga tributária e a burocracia nela embutida, como também desonerar realmente a folha de salários para aumentar a competitividade e a eficiência econômica.
Outro ponto que a reforma precisa contemplar é a segurança jurídica. Segundo Mary Elbe, nos moldes que está elaborada é fácil prever que é passível de múltiplas interpretações, o que certamente ocasionará inúmeras ações judiciais, que normalmente levam mais de 10 anos para receberem um ponto final. “Isso gera insegurança jurídica e repele investimentos”, diz. Conforme a advogada tributarista, uma forma de mitigar o aparecimento de tantos litígios seria garantir ao contribuinte a limitação do poder dessas interpretações.