Esses dias conversava com um jovem investidor de criptomoedas que nunca havia operado em bolsa de valores (sim, eles existem). Comentei com ele como achava interessante o fato de criptomoedas serem transacionadas em muitas exchanges e jurisdições 24 horas por dia, 7 dias por semana, e como isso por vezes dificultava o acompanhamento do mercado cripto e me causava certa apreensão – Você “dorme” com um mercado, e não sabe como vai “acordar” no dia seguinte.
A reação dele foi surpreendente: apesar de conhecer bem o mercado cripto, ele confessou não saber que bolsas de valores fechavam. Para ele, o funcionamento do mercado cripto em regime 24 x 7 era algo tão natural e comum que pensava que bolsas também funcionavam ininterruptamente.
A perplexidade dele me trouxe certas reflexões: e se o mercado de capitais também funcionasse de forma ininterrupta, tal como exchanges cripto? Como os mercados reagiriam? Mais horas de funcionamento implicariam um mercado mais pujante e ativo? E quais implicações isso traria para as normas concernentes à divulgação de informações?
Naturalmente, a última questão, de cunho mais jurídico, me trouxe maior curiosidade. Apesar de respostas às demais perguntas serem igualmente relevantes, essa última me fez coçar a cabeça e refletir.
Afirmar que a divulgação de informações é elemento essencial ao funcionamento dos mercados é lugar comum: a Lei das S.A., em seu Art. 157, §4º, dispõe que cabe aos administradores comunicar “imediatamente à bolsa de valores e a divulgar pela imprensa” deliberações de assembleia geral, da administração, ou fato relevante que possam influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores de vender ou comprar valores mobiliários de emissão da companhia.
O “dever de informar”, positivado em Lei, reforça a ideia de que a informação é um dos ativos mais relevantes sobre o qual o mercado de capitais se apoia.
É a análise das informações – não somente divulgadas por companhias, mas também as de caráter macroeconômico, concorrentes, outros países, políticas, entre outras – que influencia no comportamento de investidores, bancos, fundos e demais stakeholders do mercado de capitais. Sem informação dificilmente haveria um mercado ativo, posto que não haveria fatos sobre os quais decisões seriam embasadas.
Na sua atual dinâmica, o mercado de capitais funciona em janelas: uma em que ele funciona (quando a CVM, à luz da Resolução nº 44, entende que divulgações de informações e de fatos relevantes deve ser evitada), e algumas em que ele não funciona (tidas como adequadas para divulgação de informações) – o pré e o post market.
O timing de divulgação de informações é tratado mais detidamente no artigo 5º da Resolução CVM nº 44. Tal dispositivo estabelece que a divulgação de ato ou fato relevante deve ocorrer, sempre que possível, antes do início ou após o encerramento dos negócios nas bolsas de valores e entidades do mercado de balcão organizado.
No caso de companhias que tenham valores mobiliários admitidos a negociação simultânea em mercados de diferentes países, a divulgação do ato ou fato relevante deve ser feita, sempre que possível, antes do início ou após o encerramento dos negócios em ambos os países, prevalecendo, em caso de incompatibilidade, o horário de funcionamento do mercado brasileiro.
A leitura conjunta da Lei das S.A. e da Resolução nº 44 apresenta, de maneira didática, a perspectiva do quão importante o pré e post market são para a divulgação de informações ao mercado. Isso, por certo, tem razões práticas: informações divulgadas ao longo do pregão podem ensejar assimetrias informacionais, impactar a cotação de papéis e aumentar riscos de insider trading, além da dificuldade de fiscalização, do ponto de vista regulatório.
Temos, então, uma interessante antítese: são justamente as janelas de não-funcionamento do mercado que permitem o seu melhor funcionamento, posto que são nessas janelas que fatos relevantes, comunicados ao mercado e informações são divulgados. É esse gap temporal entre um pregão e outro que viabiliza que informações se tornem acessíveis a todos, pautando as negociações do dia seguinte (ou do próprio dia, no caso da divulgação no pre-market).
A divulgação nesses moldes permite dotar os investidores do conhecimento necessário para que possam “avaliar os riscos e méritos de cada oportunidade de investimento” (Eizirik, 2015).
A dúvida, então, é: como a divulgação ocorreria se essas janelas não existissem? Seria possível manter os mesmos princípios em um mercado em funcionamento contínuo?
Considerando que o §4º do artigo 157 da Lei das S.A. prevê que os administradores devem divulgar “imediatamente” informações que possam influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores do mercado de vender ou comprar valores mobiliários emitidos pela companhia, no “mercado 24x7” acabaríamos inevitavelmente caindo em um constante fluxo de informações, fatos relevantes e comunicados ao mercado.
Neste cenário hipotético, dificuldades surgiriam tanto para definir o conceito de “imediatamente” – que acabaria ficando cada vez mais próximo de “urgentemente” – quanto para a própria regulação do mercado de capitais, cujo ente regulador passaria a ter que acompanhar em intervalos de tempo cada vez mais curtos, de milissegundos.
Do ponto de vista prático, um mercado em constante funcionamento, por mais que possa ter aspectos interessantes, como redução de certas assimetrias de preço (que, por vezes, só se refletem nas cotações das ações dias depois do fato que ensejou tal movimento) e um maior dinamismo, apresentaria notáveis desafios, tanto para companhias quanto para investidores e até para o(s) ente(s) regulador(es). Tais desafios, contudo, não devem ser vistos como impedimentos.
Muito distante do funcionamento “de segunda a sexta”, o mundo já é 24x7. Notícias e fatos são gerados a todo milissegundo, e não é impensável que, tal como criptos, os mercados possam passar a funcionar em horários mais extensos (ou mesmo ininterruptamente). Vale dizer que em 1871 os mercados funcionavam somente entre 10:00hs e 14:00hs. As expansões notáveis de horários ocorreram em 1887, 1952, 1974 e, mais recentemente, em 1985 (que é o modelo utilizado até hoje).
Não é impensável que, com tanto incremento tecnológico e um fluxo cada vez mais rápido de informações, esses horários não possam ser expandidos – a última atualização ocorreu muito antes do “bug do milênio” e do estouro da “bolha tech”. O mundo mudou bastante desde então.
*Leonardo Ugatti Peres é sócio-fundador da A&P Advogados, formado em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF, tua em operações de fusões e aquisições (M&A), reestruturações societárias, e consultoria legal nas áreas societária, de startups e mercado de capitais
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