Quando o Estado definiu que certos serviços públicos seriam realizados através de concessões, o objetivo era prover serviços de qualidade, a preços atrativos, uma vez que o Estado não domina todos os serviços com expertise.
Além disso, sempre existe o risco de empresas públicas serem canais de corrupção ou cabide de empregos para jogos políticos. Então, nada mais adequado do que passar para a iniciativa privada a prestação de alguns serviços que são de obrigação pública, tal qual o serviço de transporte urbano municipal.
Apesar do acima exposto, os municípios têm a obrigação de conhecerem a reputação das empresas que irão ser concessionarias destes serviços, bem como tais empresas devem seguir as regras definidas para empresas públicas, conforme disposto no Guia de Implantação de Programa de Integridade nas Estatais, publicado pela CGU, que foi cascado para os âmbitos Estaduais e Municipais.
No Estado de São Paulo, antes da pandemia, o órgão SPTrans havia definido a obrigação de implementarem programas de integridade nas concessionárias de transporte urbano municipal. Entretanto, a data de implementação foi suspensa devido a pandemia. Agora, após 2 anos, não existe mais impedimento para que tais programas sejam implementados de fato.
Os problemas para que tal implementação ocorra são muitos e até antigos, tais como quem são realmente os “donos” destas empresas, se não existem situações potenciais do crime organizado estar por detrás destas empresas usando “laranjas”, e se as empresas querem mesmo implementar um programa efetivo de integridade, pois isso significa investimento e profissionalização das empresas.
Muitas concessionárias estão há anos provendo serviços no município de São Paulo e ainda são familiares, ou seja, não possuem um nível de profissionalização ou maturidade ética para implementar um programa de integridade efetivo.
Para reverter a situação, pois não adianta continuar com empresas recebendo altos subsídios do governo municipal para continuar a prover serviços que não tem funcionado com qualidade, o município de São Paulo deveria implementar urgentemente uma auditoria financeira e de integridade nestas empresas, verificar quem de fato são os donos e qual o apetite para atuarem dentro de regras éticas, que são aplicadas para empresas de outros segmentos.
Se não puderem atender aos requisitos mínimos, deveriam ter seu contrato cancelado ou rescindido de forma motivada. Mas, isso requer muita coragem e impessoalidade, pois o negócio das concessões possui muitas situações de conflito de interesses ou, até, de interesses pessoais em jogo.
Infelizmente, vemos, a cada dia, os usuários, cidadãos que pagam seus tributos, serem desrespeitados por um serviço que os obriga a ficarem em pé e apertados durante os horários de pico, podendo vir a sofrer danos físicos e até a morte, devido aos acidentes envolvendo os ônibus, além da poluição que os ônibus trazem para a cidade. Uma cidade que quer atrair investimentos deve pensar que a ética traz valor agregado e que cidadãos contentes com os serviços públicos irão usar ainda mais os mesmos.
Patricia Punder, é advogada e compliance officer com experiência internacional. Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP). Uma das autoras do “Manual de Compliance”, lançado pela LEC em 2019 e Compliance – além do Manual 2020.
Com sólida experiência no Brasil e na América Latina, Patricia tem expertise na implementação de Programas de Governança e Compliance, LGPD, ESG, treinamentos; análise estratégica de avaliação e gestão de riscos, gestão na condução de crises de reputação corporativa e investigações envolvendo o DOJ (Department of Justice), SEC (Securities and Exchange Comission), AGU, CADE e TCU (Brasil). www.punder.adv.br
Patricia Punder, advogada e CEO da Punder Advogados