Platão narra em sua obra “A República”, diálogo entre Sócrates e Glauco, na qual ele apresenta a teoria sobre o conhecimento da verdade. Não se pretende aqui reproduzir tal texto na integra, mas, em apertada síntese, se trata de um prisioneiro que estava numa caverna e somente via sombras projetadas. E, em função disso, acreditava que o mundo seria aquelas sombras.
Porém, um dia ele é solto, aos poucos sua visão acostuma-se com a luz e então começa, devagarinho, a perceber a infinidade do mundo e da natureza que existe fora da caverna.
Ele percebe que aquelas sombras, que julgava ser a realidade, na verdade eram apenas cópias imperfeitas.
O prisioneiro recém liberto poderia adotar duas medidas: (i) retornar para a caverna visando libertar os demais presos ou (ii) viver, dali para adiante, sua liberdade.
A adoção da primeira alternativa teria como consequência possível o ataque que sofreria de seus companheiros, que o julgariam como louco, mas poderia ser a atitude necessária, por ser a coisa mais justa a ser feita.
O sistema elétrico brasileiro está precisando justamente “sair da caverna”, ou seja, adotar a dúvida socrática, o questionamento, a não aceitação das afirmações e atitudes adotadas até hoje, sem antes analisá-las, e avaliá-las de forma continua. Questionar as soluções e conhecimentos que regiam e regem o setor elétrico brasileiro até hoje sempre, visando otimizá-lo.
A EPE divulgou em sua página da internet (“epe.gov.br/pt/áreas-de-atuacao/energia-eletrica/expansão-da-geracao/fontes”) que: “O potencial hidrelétrico brasileiro é estimado em 172 GW, dos quais mais de 60% já foram aproveitados.”
E, complementa:
“A presença de usinas termelétricas no portfolio de geração do SIN é um fator estratégico para o setor elétrico brasileiro. Dada a relevância da participação de fontes hídricas na geração de energia elétrica no Brasil, as termelétricas têm atuado significativamente em períodos de escassez hidrológica. Além disso, com a penetração das fontes eólica e solar no sistema, emerge a possibilidade de as termelétricas atuarem para estabilizar a variabilidade na geração de curto prazo dessas fontes.”
Daí a necessidade de se questionar certos dogmas adotados pelo Operador Nacional do Sistema – ONS, que tem como objetivo:
“...coordenação e controle da operação das instalações de geração e transmissão de energia elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN) e pelo planejamento da operação dos sistemas isolados do país, sob a fiscalização e regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)” (site da ONS).
O Brasil desenvolveu o SIN que, desde a sua criação, tem a geração de energia quase que exclusivamente utilizando usinas hidrelétricas, mesmo durante períodos hidrológicos adversos, que chegou a representar 95% de participação da matriz brasileira. E, apesar de ter reduzido, principalmente a partir dos anos 90, ainda hoje representa aproximadamente 65% de hidrelétricas e de 28% de termelétricas
Isso sempre fez sentido para os agentes públicos e privados, sendo assim mantido, em função das capacidades hidrológica e pluvial brasileiras, tendo em vista a fácil regularização dos níveis dos reservatórios, mantendo-os de forma plenamente operacionais, durante praticamente todo o ano, ou seja, armazena água durante o período chuvoso e a utiliza inclusive no período seco para gerar energia. Essa é uma das “sombras” que sempre se acreditou ser algo perene, com baixo risco e custo, portanto, praticamente imune a mudanças radicais.
Porém, a realidade tem mostrado que sucessivas crises hídricas têm levado a se questionar se não seria o caso de se inverter a lógica adotada até hoje, ou seja, colocar as térmicas na base do sistema elétrico brasileiro, preservando as hidrelétricas e seus respectivos reservatórios, para que sirvam inclusive como caixas d´agua para suprimento hídrico em caso de escassez, ou seja, exercer um papel que não tem sido corretamente avaliado e precificado pelos agentes do setor.
Além de poupar a água dos reservatórios, as térmicas acrescentam maior segurança e confiabilidade do suprimento, podendo e devendo ser, portanto, avaliado pelo ONS como uma alternativa de mudança do paradigma operativo.
Luís Priolli, advogado especializado em energia no Urbano Vitalino Advogados.