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Violência processual e litigância abusiva: como o uso do Judiciário pode perpetuar a violência contra a mulher

Estratégias processuais empregadas a fim de controlar, intimidar e empobrecer exs-parceiras, baseadas em inverdades. Condutas estas que crescem a cada dia no meio judicial.

Autor: Débora LuzFonte: A Autora

Estratégias processuais empregadas a fim de controlar, intimidar e empobrecer exs-parceiras, baseadas em inverdades. Condutas estas que crescem a cada dia no meio judicial.

A violência processual é um tema relevante e atual. Ela pode ser definida como qualquer tipo de conduta ou comportamento que causa prejuízo à parte adversa no processo, seja por meio de atitudes intimidatórias, ameaças, pressões ou constrangimentos. Importante ressaltar que a violência processual se trata de poder e controle, que busca a asfixia financeira e causar abalos emocionais de tal modo nas vítimas a ponto de induzi-las a desistir das suas ações.

Nesse sentido, a litigância abusiva é uma das formas mais comuns de violência processual, consistindo em uma estratégia adotada por uma das partes com o intuito de prejudicar a outra, muitas vezes utilizando recursos jurídicos de maneira desleal ou indevida.

A litigância abusiva pode ser praticada de diversas maneiras, por exemplo, por meio de recursos procrastinatórios, apresentação de provas falsas, intimidação do adversário ou de testemunhas, entre outros. Essas práticas podem ser utilizadas tanto por indivíduos quanto por empresas, com o objetivo de prolongar o processo ou obter vantagens indevidas. Mas, neste caso em voga, trata-se do uso indevido do processo como meio de intimidação, coação ou retaliação com o objetivo de humilhar, constranger ou ofender a mulher, na maioria dos casos ocorrida em ações de processos de divórcio, partilha de bens, alimentos e guarda nas Varas das Famílias, uma forma de perpetuar o poder agressor sobre a mulher durante o processo judicial, incluindo a influência de estereótipos de gênero e a falta de sensibilidade das instituições judiciárias em relação à violência de gênero.

Cito aqui as características mais comuns de violência processual por meio da litigância abusiva:

  • Exposição desnecessária da vida privada da mulher no processo;
  • Entrar com processo contra a mulher por alienação parental;
  • Requerer ordens de proteção contra a mulher e/ou seus amigos ou familiares;
  • Iniciar inúmeras batalhas por custódia;
  • Apresentar moções de desacato contra a outra parte sem motivo;
  • Descrever a mulher como uma mãe inapta e/ou solicitar avaliações de saúde mental;
  • Movimentar o sistema judiciário de forma a gerar tumulto processual (apelações, revisões, petições, interposição de diversos recursos infundáveis;
  • Tentar trazer casos encerrados de volta ao tribunal (“relitigar”);
  • Tentativas de litigar novamente em tribunais diferentes (mudança de jurisdição);
  • Atrasar as audiências no tribunal, prejudicando a outra parte financeira e/ou emocionalmente;
  • Descumprimento a ordens judiciais, como medidas protetivas de urgência, guarda compartilhada, alimentos, convivência com os filhos etc.;
  • Ameaçar denunciar a mulher às autoridades de imigração (quando a mulher é estrangeira);
  • Denúncias falsas no Conselho Tutelar;
  • Emitir boletins de ocorrências falsas;
  • Alegar falsamente que a mulher abusa de drogas ou álcool;
  • Processar ou ameaçar processar qualquer pessoa que a ajude, como defensores, advogados e policiais;
  • Apresentar queixas contra o juiz ou o advogado da parte contrária;
  • Demonizar a imagem materna e “santificar” a paterna por meio de argumentações indevidas;
  • Uso de estereótipos de gênero contra a mulher e a favor do homem;
  • Tentativas de silenciar a mulher publicamente sobre a violência que ela está sofrendo.

Diante desse contexto, torna-se evidente que a prática da violência processual tem se intensificado no contexto jurídico brasileiro. É observado um cenário em que indivíduos acionam o sistema judicial de forma abusiva, buscando intimidar e constranger a parte contrária, bem como obter vantagens indevidas no processo em curso.

A violência contra a mulher é um problema grave que tem sido discutido desde as mais remotas civilizações no mundo todo. No Brasil, muito se conquistou, mas ainda há muito pelo que lutar de direitos da mulher, em relação a criação de leis, acordos e tratados em prol da proteção das mulheres. A Lei nº 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha, é um grande exemplo, que possui várias medidas de proteção para as mulheres e punição para os agressores.

Além de ser uma violência processual, a litigância abusiva é prejudicial ao próprio sistema jurídico, uma vez que sobrecarrega o Poder Judiciário e atrasa a efetividade da justiça. Por isso, é importante que as medidas cabíveis sejam tomadas para coibir essas práticas e punir os responsáveis.

Não há uma tipificação específica para punir quem comete a violência processual, o que dificulta a adoção de medidas adequadas para coibir e punir tais condutas. No entanto, é importante ressaltar que algumas podem ser enquadradas em outros delitos já existentes em nosso ordenamento jurídico, possibilitando a aplicação de sanções. Existem diversas formas de combater a litigância abusiva, como a responsabilização civil por meio aplicação de multas, condenação por litigância de má-fé e a inversão do ônus da prova.

Na seara da violência processual, apesar dessa realidade preocupante, constata-se que as respostas do Judiciário a esse tipo de violência estão acontecendo. Há julgados, como o REsp 1817845/MS do STJ publicado em 2019, e iniciativas como o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um verdadeiro norte para direcionar operadores do Direito, a Ouvidoria Nacional da Mulher do CNJ e a Recomendação Geral 33 da ONU. De tal modo, o Poder Judiciário tem desempenhado um papel fundamental no combate à violência processual, utilizando-se de diversas leis e instrumentos legais para coibir e punir condutas abusivas. Dentre essas leis, destacam-se a Lei Maria da Penha, o caso emblemático de Mariana Ferrer (Lei nº 14.425/2021) e a Lei nº 14.188/21, que criminaliza a violência psicológica contra a mulher, prevista na Lei Maria da Penha e que dá vida ao art. 147-B do Código Penal.

Nesse sentido, urge a necessidade de um olhar ainda mais atento do sistema de justiça para enfrentar essa problemática crescente. É fundamental a implementação destes mecanismos permite identificar e combater a litigância abusiva e a violência processual, garantindo a proteção das mulheres e a integridade do próprio sistema judicial. Além disso, é essencial promover uma conscientização sobre os efeitos prejudiciais desse comportamento, principalmente, para magistrados, servidores, advogados e outros agentes do Poder Judiciário visando coibir a disparidade e da discriminação em julgamentos de casos de violência contra mulheres e evitar conceitos discriminatórios.

(*) Débora Luz – jornalista, perita judicial, graduanda em Direito, membro da Comissão dos Acadêmicos e Acadêmicas de Direito OAB SP (2022-2023). Trecho extraído de TCC de graduação, aprovado com nota máxima pela Escola Paulista de Direito (EPD). E-mail: debora.jur@gmail.com