Neste mês foi divulgado o relatório Empreendedorismo no Brasil 2009, realizado pelo GEM Consortium (Global Entrepreneurship Monitor), representado no país pelo Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade desde 2001. O estudo, realizado todos os anos em 54 países, traça um raio-X sobre a atividade empreendedora no mundo. A seguir, comento alguns dos resultados divulgados no relatório.
A taxa de atividade empreendedora no Brasil em 2009 foi de 15,3, ou seja, 15,3% dos brasileiros entre 18 e 64 anos estavam envolvidos em atividades empreendedoras em negócios com menos de 42 meses de existência. O aumento com relação ao ano anterior, quando o índice foi de 12%, pode ser explicado pela crise global. Pode parecer estranho e até contraditório, mas existem justificativas para tal fenômeno baseadas no cruzamento de dados do relatório.
Em primeiro lugar, a taxa de desemprego aumentou, estimulando as pessoas a se dedicarem à atividade empreendedora como alternativa ao emprego, uma vez que as oportunidades de recolocação no mercado ficaram restritas nesse período. Muitas empresas foram obrigadas a reduzir seus custos internos e terceirizaram certas atividades que antes eram realizadas por pessoal interno, fazendo com que novas empresas fossem abertas no mercado. Também não é difícil imaginar situações em que o funcionário é dispensado da empresa, mas continua trabalhando lá como consultor autônomo, com CNPJ, engrossando a estatística de novos negócios da pesquisa GEM 2009.
Essas justificativas ganham corpo quando nos deparamos com outros dados da pesquisa. A taxa de empreendedores nascentes no Brasil (negócios com até 18 meses de existência) dobrou em 2009 em relação ao ano anterior. A proporção entre negócios de oportunidade e negócios por necessidade diminuiu em 2009. Em 2008, para cada dois negócios abertos por oportunidade identificada, um era aberto por necessidade ou falta de opção do empreendedor (geralmente por dificuldade para se empregar no mercado de trabalho). Em 2009, a taxa foi de 1,6 negócio de oportunidade para cada negócio aberto por necessidade.
Também corrobora esses dados o fato de que a proporção de negócios abertos por jovens ficou em apenas 13,5% em 2009, a única faixa etária (18 a 24 anos) que teve decréscimo em relação a 2008. Todas as demais faixas etárias tiveram crescimento em 2009, que foi justamente a camada da população que mais sofreu com os efeitos da crise global e com o desemprego decorrente.
A pesquisa mostra também que existe uma postura mais receptiva da sociedade com relação à atividade empreendedora. Da população pesquisada, 80% disseram considerar que no Brasil a maioria das pessoas avalia o início de um novo negócio como uma opção desejável de carreira, a mesma proporção daqueles que consideram que aqueles que alcançam sucesso ao iniciar um novo negócio têm status e respeito perante a sociedade. Felizmente, a carreira empreendedora tem sofrido menos preconceito, se distanciando cada vez mais da imagem negativa de gerações anteriores, que acreditavam que empreendedores eram aqueles que não gostavam de estudar e, por falta de opção de carreira, acabavam tendo que abrir um pequeno negócio.
Exemplos de empreendedores bem sucedidos disseminados pela mídia em geral vêm contribuindo para melhorar a imagem do empreendedor e inspirar mais pessoas a seguir esse caminho. Notamos esse fato mais particularmente no gênero feminino da população. Além do Brasil, apenas na Guatemala e em Toga as mulheres são mais empreendedoras do que os homens. Pela segunda vez desde que a pesquisa começou a ser feita, as mulheres são maioria entre os empreendedores, mas é a primeira vez que elas são a maioria também entre os empreendedores por oportunidade. Isso mostra uma tendência social que merece uma análise mais profunda. Historicamente as mulheres brasileiras empreendem para complementar o orçamento doméstico. Os novos dados mostram que elas estão começando a agir de forma mais pró-ativa e buscando atender aspirações maiores na vida.
Para melhorar a taxa de negócios baseados em inovação (empreendedorismo de alto impacto), é importante a criação de ambientes que propiciem um maior contato entre agências de inovação, institutos de pesquisa, universidades e entidades científicas aos empreendedores e investidores do mercado. Para esse fim, é importante prover maiores incentivos para a entrada de fundos de capital de risco no país, facilitando os processos, reduzindo a burocracia, minimizando o impacto tributário e criando estruturas de apoio.
Para reduzir a taxa de descontinuidade de negócios, principalmente aqueles pautados pelos três maiores motivos (negócio não lucrativo, razões pessoais e falta de dinheiro), é importante criar condições para que o empreendedor faça um melhor planejamento prévio de sua ideia de negócio, a fim de minimizar as chances de fracasso, dar orientação, apoio e aprendizado. Também é relevante dar foco ao desempregado, mostrando para ele o significado de empreender e os riscos inerentes à atividade, incomparável com relação ao emprego com carteira assinada. Mesmo diante de uma necessidade, o empreendedor pode identificar oportunidades, basta um pouco de orientação que favoreça sua capacidade de ampliar a visão do negócio.
Quanto à dificuldade de acesso ao capital, ao contrário do que se fala, facilitar a entrada de mais fundos de investimento no país não representa a solução completa. A verdade é que, embora ainda tímido para o momento da economia, o capital de risco está fluindo para o país. Os especialistas concordam com a afirmação de que esses fundos têm muita dificuldade de encontrar boas oportunidades, nos levando a crer que faltam boas ideias que despertem a atenção do capital existente.
Veja, do ponto de vista do investidor, como é difícil conciliar as coisas:
· A ideia pode ser boa, mas não foi bem desenvolvida.
· A ideia pode ter sido bem desenvolvida, mas não foi bem vendida/apresentada.
· A ideia pode ter sido bem apresentada, mas não encontrou o fundo mais adequado para esse tipo de investimento.
· A ideia pode ter encontrado o fundo mais adequado, mas o cientista ou inventor por trás da ideia não tem, necessariamente, perfil empreendedor.
· A ideia pode estar na mão de um empreendedor, mas o montante requerido não está ao alcance das expectativas do investidor.
A verdade é que existem muitas variáveis a se considerar para estabelecer um bom casamento entre o empreendedor e o investidor, mas basta que uma delas não feche para que o acordo não prossiga. Facilitar esse processo é outra medida necessária para melhorar a qualidade dos empreendimentos no país.
Por fim, para resolver o problema do excesso de informalidade, é preciso implantar controles mais amplos e seguros da atividade das pequenas e médias empresas, coibindo a informalidade através de restrições à atividade comercial e pesadas penalidades que desestimulem a prática. Campanhas de conscientização de empreendedores, contadores e da população em geral também podem ajudar consideravelmente e uma política clara de incentivos fiscais visando fomentar negócios de alto impacto e negócios para outras empresas (business-to-business), um dos segmentos de negócio com maior potencial de oportunidades e menos explorados no país.
* Marcos Hashimoto é coordenador do Centro de Empreendedorismo do Insper (CEMP)