Enquanto auditores, empresas e órgão regulador não chegam a um consenso sobre como deve ser preparado o balanço das incorporadoras imobiliárias a partir deste ano, com as novas regras de contabilidade, as companhias de capital aberto do setor - embora oficialmente prefiram e defendam a manutenção do método atual - se prepararam para o pior cenário, que é o de mudança no sistema de reconhecimento da receita de venda dos imóveis.
Segundo o Valor apurou, todas contrataram uma segunda auditoria para auxiliá-las a entender como mudam os processos de contabilidade interna, caso passe a valer o novo sistema. Querem saber se estão fazendo as transformações de maneira correta.
As discussões poderiam ter sido encerradas no início deste mês, com um posicionamento oficial do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), mas não houve consenso prévio entre os participantes do grupo de trabalho que acompanha o assunto e que envolve a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) e a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca).
A próxima reunião do CPC que vai tratar do assunto deve ocorrer no dia 3 de dezembro e a expectativa é que haja alguma decisão oficial até lá. Se o veredito for simples, determinando o uso de um modelo ou de outro de forma generalizada, é possível que o órgão não emita uma orientação formal, mas apenas um comunicado, para que haja conforto por parte de auditores e empresas sobre qual foi a decisão tomada.
Caso seja necessário uma explicação adicional sobre a aplicação das normas internacionais aos contratos de compra e venda de imóveis na planta no Brasil, pode haver a emissão de uma orientação formal do CPC.
Se não houver consenso, que ainda é a primeira opção, a CVM deve entrar em ação e arbitrar o caso, para que não haja tratamento distinto dos mesmos lançamentos nos balanços de empresas diferentes.
A Abrasca, entidade que representa as companhias nessa discussão, encomendou um estudo para justificar a manutenção do sistema atual de reconhecimento de receita, pelo percentual de execução da obra. Mas nem todas as empresas se sentiram confortáveis em ratificar o documento.
Há também uma percepção no setor de que, por conta do caso de fraude no Panamericano - que, de certa forma, colocou em xeque a atuação das auditorias - seja mais difícil não seguir a primeira interpretação sobre a nova regra, que era a de mudar o reconhecimento da receita para o momento da entrega das chaves.
Na mais recente safra de balanços trimestrais, a WTorre Properties foi a primeira empresa com registro de companhia aberta do segmento imobiliário a adotar as novas normas contábeis de forma completa. No seu balanço, a companhia optou por ajustar os demonstrativos que tinham sido publicados e reconhecer a receita de venda da Torre JK ao Santander apenas no momento da entrega. A KPMG, auditoria responsável pela avaliação do balanço da WTorre, emitiu parecer sem ressalva, atestando que o procedimento foi correto.
A publicação do balanço dessa forma, no entanto, não significa que esse é o entendimento da KPMG sobre a regra a ser seguida pelas incorporadoras de imóveis residenciais que vendem casas e apartamentos na planta.
Segundo o sócio de auditoria da área de indústria da KPMG Ricardo Anhesini, no caso específico desse balanço, a empresa analisou o contrato, verificou que a transferência de riscos e benefícios ocorreu num único momento e foi feito um ajuste. "Isso não reflete, necessariamente, uma conclusão nossa sobre esse debate", disse ele, para quem a discussão neste momento está mais no campo legal do que no contábil.
Contexto
As novas normas contábeis podem modificar a forma como as incorporadoras registram a receita dos imóveis vendidos na planta. A discussão técnica travada é sobre quando ocorre a transferência de riscos e benefícios da incorporadora para o comprador do imóvel. Se isso ocorre no momento da assinatura da compra, as incorporadoras podem manter o sistema atual de contabilidade, em que a receita é reconhecida conforme a execução da obra. Já se o entendimento for de que riscos e benefícios só são transferidos na escritura definitiva, a receita só pode ser registrada na entrega da chaves.
Entre os argumentos usados pelas empresas está o fato de que o comprador pode vender e penhorar o imóvel ainda em construção. Citam ainda que, em caso de desapropriação pelo governo, o comprador recebe indenização proporcional. Em conjunto, os compradores poderiam ainda substituir a construtora em caso de atraso da obra. Por outro lado, o comprador não pode usar o imóvel nem fazer alterações relevantes no projeto antes da chave.
Segundo Danilo Simões, sócio da área de práticas profissionais da KPMG, além dos riscos e benefícios, a norma contábil internacional IFRS, que foi traduzida e passa a ser adotada neste ano no Brasil, fala ainda da ideia de transferência de controle sobre o bem, o que inclui também o conceito de posse, assim como há no leasing financeiro.