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Como fazer as contratações certas em tempos de crise

A retração econômica redunda em menos investimentos privados e, consequentemente, menos contratações e mais cortes. Mas a saída para a recessão está na outra ponta

O argentino Claudio Fernández-Aráoz gosta de metáforas, em especial sobre pecuária. Em um extenso artigo na Forbes ele discorre sobre como aprendeu, na criação de gado de corte, a importância de contratar executivos resilientes e adaptáveis – ao invés de grandes nomes da indústria acostumados com margens confortáveis e polpudos boni. O tema é controverso: afinal, é quase natural cortar cargos em um ambiente econômico desfavorável. Araóz rebate o senso comum em seu novo livro Não é como nem o que, mas quem, lançado no Brasil pela Editora HSM.

Assessor senior da consultoria Egon Zehnder, focada em busca e seleção de executivos, Araóz ressalta que uma das funções mais críticas e difíceis dos líderes é selecionar as pessoas certas para os cargos certos. “Crises são oportunidades extraordinárias para capturar talentos excepcionais que estarão disponíveis mais facilmente, e em alguns casos procurando por um novo emprego”, afirma. Na eterna dualidade entre escassez de profissionais no mercado e necessidade de ajustes financeiros – demissões e menos contratações – vence a empresa que conquistar os profissionais com as qualidades certas, considerando aspectos internos e externos.

“Cada cargo é único e requer diferentes competências em diferentes graus. Entretanto, se eu tiver que generalizar, o que diferencia grandes líderes é a maneira como eles gerenciam a si próprios e suas relações com os outros, o que é uma outra forma de me referir à inteligência emocional deles”, defende. Temos até agora dois fatores essenciais: a adaptabilidade do profissional e a inteligência emocional, conceito que grassa de forma lenta porém contumaz na cultura empresarial brasileira. Quer saber mais? Confira a entrevista completa concedida por Araóz ao Administradores.

Quando há desconfiança em relação à economia, as empresas tendem a cortar gastos, e naturalmente há um freio nas contratações. É nessa hora que uma gestão estratégica de RH se sobressai ao contratar as pessoas certas?

Absolutamente. Eu sempre lembro que, em dezembro de 2008, no meio da crise financeira global, fui dar uma palestra na Fortune 500 CEO Forum, em Washington D.C. Um estudo foi realizado pelo BCG sobre as iniciativas de capital humano mais frequentes tomadas pelas empresas no meio da crise; em mais de 20, de longe, a medida mais comum foi o congelamento das contratações. Entretanto, quando perguntadas sobre as iniciativas mais úteis na recessão anterior, uma em cada três entre as mais poderosas afirmaram que contrataram pessoas excepcionais dos seus competidores. Crises são oportunidades extraordinárias para capturar talentos excepcionais que estarão disponíveis mais facilmente, e em alguns casos procurando por um novo emprego. O que líderes e empresas precisam fazer nessas situações é evitar o pensamento do "ou isso ou aquilo", como por exemplo "ou eu reduzo ou eu contrato pessoal". Eles precisam considerar a mágica do “e”. Você reduz se precisar, até mesmo um pouco mais, e contrata talentos excepcionais. Foi o que Bill Hewlett e Dave Packard, fundadores da HP, fizeram tão brilhantemente quando, no fim da Segunda Guerra Mundial, muitos dos melhores engenheiros do mundo foram despejados dos laboratórios militares dos Estados Unidos, que fecharam tão logo a guerra terminou. Na ocasião, a HP estava reduzindo pessoal, mas não hesitou em contratar cada um desses engenheiros excepcionais. Anos depois, eles disseram que foi a melhor oportunidade que a HP já teve.

Quais são os aspectos gerais que devem ser observados para que um cargo seja preenchido pela pessoa certa, seja em posições táticas, gerenciais ou executivas?

Para funções de gestão, liderança e executiva, cada cargo é único e requer diferentes competências em diferentes graus. Entretanto, se eu tiver que generalizar, em adição a alguma experiência básica e inteligência geral – que é fortemente relacionada a conquistas acadêmicas –, o que diferencia grandes líderes é a maneira como eles gerenciam a si próprios e suas relações com os outros, o que é uma outra forma de me referir à inteligência emocional deles. O problema é que tendemos a dar mais ênfase aos aspectos “tangíveis” (como experiência e educação), porque são mais fáceis mensurar, do que os aspectos “abstratos”, que são, é claro, mais difíceis de mensurar. Todavia, enquanto experiência e educação podem garantir sua vaga, é a inteligência emocional que garantirá sua promoção. E é a falta de inteligência emocional que fará com que você seja demitido, a despeito de sua forte experiência e sólida educação. Você deve se certificar se há qualquer função de liderança nos níveis de autoconhecimento, autocontrole, consciência social e de gestão de relacionamento do candidato. Além disso, para cada emprego haverá algumas competências que serão mais críticas do que outras, incluindo o nível de orientação estratégica e conhecimento acerca da indústria, dentre outros. Mas competências baseadas em inteligência emocional, como orientação para resultados, habilidades de influência, liderança, orientação para o consumidor, trabalho em equipe e colaboração e resolução de conflitos são quase sempre pré-requisitos para o sucesso em qualquer função senior de liderança.

É mais frequente que os executivos adequados sejam escolhidos entre quadros de dentro da empresa ou entre candidatos externos? Essa escolha tem reflexos na cultura organizacional?

Se a empresa fez o dever de casa ao contratar grandes candidatos da base da pirâmide, avaliando-os e desenvolvendo-os apropriadamente, apenas excepcionalmente precisará contratar um executivo experiente de fora. Quanto maior o nível, mais arriscado é contratar pessoas de fora. Além disso, empresas que, para altos cargos, contratam ao invés de promover, cedo ou tarde terão problemas em atrair talentos. Quem vai querer trabalhar para uma companhia onde não são evidentes as chances de um funcionário chegar ao topo? Dito isso, sempre há exceções. Às vezes a empresa precisa de alguma expertise que não tem em seus quadros internos, ou quando entra em um campo completamente novo (até mesmo a GE, uma companhia famosa por desenvolver líderes, que não contratou um CEO de fora por um século, procurou lá fora na hora de lançar novos negócios). O mesmo pode ser aplicado quando uma empresa pretende entrar em mercados distintos geograficamente. Por fim, quando é necessário conduzir uma guinada ou uma grande mudança, candidatos de fora da empresa tendem a ser melhores do que os de dentro, porque eles não carregam o fardo do legado pregresso, e são mais dispostos a conduzir alterações drásticas no status quo, incluindo mudanças de pessoal. Ainda assim, é importante não generalizar, já que a melhor prática para qualquer nomeação sempre é olhar tanto para dentro quanto para fora, considerando os melhores candidatos internos e externos. Então, dependendo da sua própria cultura e urgência, você deveria dar ao menos uma ligeira vantagem aos candidatos internos, por questões motivacionais, desde que a diferença para o melhor candidato externo não seja muito ampla, e que você garanta o suporte à integração do candidato escolhido.

Muitas vezes o desempenho de alguém é observado em termos absolutos, e não dentro de um contexto específico numa empresa onde trabalhou antes. Como o recrutador deve analisar esses casos para não cometer erros na hora de contratar?

Todos nós somos vítimas do chamado “erro de atribuição fundamental”, colocando muito peso no indivíduo e pouco nas circunstâncias externas. Exceto quando nós mesmos falhamos, quando, é claro, temos a tendência natural de atribuir nossas falhas a fatores externos. O ponto é que, mais importante do que julgar resultados, que são usualmente o resultado de muitas forças, é necessário analisar comportamentos. Os resultados de um CEO não devem ser vistos, por exemplo, analisando-se o aumento do valor que ele ou ela gerou durante seu período. Primeiro, deve-se observar esses valores ajustando-os para a indústria e o país – que é, por exemplo, a maneira como a HBR desenvolve seu ranking dos melhores CEOs do mundo. Além disso, é necessário olhar se aquele CEO é adequado para o serviço para o qual é cotado, incluindo o aspecto estratégico – algumas pessoas são ótimas para startups, outras para mudanças, outras para gerenciar negócios cíclicos –, o ajuste cultural, e se ele se ajusta ao restante da equipe. O ideal seria listar as competências requeridas para aquele cargo específico – quanto de orientação estratégica, quanto de conhecimento de mercado, quanto do tipo de liderança – e checar qual candidato tem os níveis requeridos de cada competência. Para isso, é necessário observar comportamentos específicos que indicam quão competente o candidato é em cada dimensão. Por exemplo, baixos níveis de orientação estratégica indicam que uma pessoa só estaria apta a definir seu plano dentro de uma estratégia geral; níveis médios implicam a habilidade de desenvolver a estratégia para sua própria área; e altos níveis sugerem a capacidade de criar uma estratégia corporativa de alto impacto em um ambiente complexo.

Você defende que grandes empresas devem procurar talentos em companhias menores e que vivem em dificuldades, ao contrário do que diz o senso comum. Você já viu essa estratégia resultar em excelentes contratações?

O ponto aqui é que tendemos a acreditar que “performance” é apenas o resultado de um “P”, como meu colega da Harvard Business School, Boris Groysberg – pai da área da “portabilidade de talentos” – gosta de dizer. Entretanto, como ele prefere colocar, performance também é o resultado de pelo menos outros 4 P's, incluindo as pessoas com quem você trabalha, as plataformas, os processos e as políticas da sua organização – que você deve ter aprendido, mas decerto será diferente em outros lugares. O problema é que quando uma pessoa deixa seu trabalho, deixa também a maior parte dos outros P's para trás: pessoas, processos e plataformas, e irá enfrentar muitas políticas internas diferentes. Deve-se ter muito cuidado ao contratar alguém por uma “marca”, como alguém vindo de empresas como a McK, GE ou Google. O que deve ser observado é se a pessoa pode ser eficaz dentro da cultura da nova empresa sem o capital humano, plataforma e processos das anteriores. O que as pesquisas mostram é que quando uma grande companhia contrata estrelas oriundas de organizações “pequenas” – aquelas que têm marcas, processos e equipes menos desenvolvidos –, ela tende a ter melhor desempenho do que se contratasse pessoas de organizações ricas. Já vi isso funcionar de forma belíssima, muitas vezes, quando parceiros com funções comerciais são contratados para empresas de consultoria ou bancos privados. Aqueles que conseguiram sucesso em marcas limitadas são muitos mais portáveis – bem-sucedidos na nova empresa – do que outros que trabalharam apenas em empresas ricas.

Você afirma que é necessário considerar o potencial de uma pessoa antes de contratá-la, além da experiência e das competências. Mas como é possível mensurar o potencial, se não com resultados anteriores e habilidades?

Já falei sobre a necessidade de checar o ajuste de competências para o sucesso no trabalho, mas isso infelizmente não é mais suficiente, porque no mundo VICA (volátil, incerto, complexo e ambíguo) em que vivemos o próprio trabalho muda rapidamente. Portanto, mesmo que uma pessoa tenha todas as competências hoje, se ela não tiver o potencial para continuar crescendo e aprendendo, e fundamentalmente mudar enquanto mantém alto desempenho em um trabalho diferente e mais complexo, essa pessoa logo irá falhar. Há 25 anos eu fui o líder fundador da prática de avaliação da gestão na nossa firma, Egon Zehnder, e comecei a desenvolver um modelo para avaliar potenciais. Através dos anos, meus colegas desenvolveram e aprimoraram esse modelo, que agora tem precisão preditiva de até 85%. Definitivamente, é possível avaliar o potencial observando quatro marcos:

– Curiosidade: inclinação para procurar novas experiências, conhecimento, feedback sincero e uma abertura ao aprendizado e à mudança.

– Insight: capacidade de reunir e concatenar informações que sugerem novas possibilidades.

– Engajamento: uma habilidade para usar emoção e lógica para comunicar uma visão persuasiva e se conectar com pessoas.

– Determinação: recurso para lutar por objetivos difíceis a despeito dos desafios e ser resiliente contra adversidades.

Duas grandes empresas apostaram em contratações mais seguras e técnicas: Microsoft (Satya Nadella) e Yahoo! (Marissa Mayer), e nos dois casos foram decisões que renderam bons resultados. Líderes com perfis mais técnicos podem se sair melhor do que negociadores? O que deve ser considerado?

Esses dois exemplos positivos têm fortes características técnicas, mas também grandes competências de liderança e a maior parte dos indicadores de potencial – idealmente, tudo o que é desejável nos melhores candidatos. Entretanto, contanto que a pessoa tenha curiosidade e insight suficientes, eu apostaria mais em um grande líder que tem a capacidade de se cercar dos melhores e ajudá-los a se desenvolverem, mesmo sem fortes características técnicas, do que em um gênio tecnológico que nem é capaz de complementar a si próprio nem de desenvolver seu pessoal. Veja o caso de Jeff Bezos, considerado há alguns anos o melhor CEO vivo: ele diz repetidamente que a razão número um para o sucesso da Amazon é o padrão elevado para contratações. Da mesma forma, Steve Jobs só contratava profissionais de primeira linha. Como o próprio Bezos diz, à medida em que você cresce com a companhia, é necessário sair de questões sobre “como” (predominantemente técnicas), para questões sobre “o que” (em qual mercado ficar), ainda que, enquanto líder, suas questões mais importantes sejam sobre “quem”. Quem serão as pessoas que irão ajudar a identificar os “o quês” mais atrativos e implementar os “comos” certos. É por isso que intitulei meu novo livro Não é como nem o que, mas quem.

O que todo administrador deve saber sobre gestão de pessoas e contratações logo que sair da faculdade?

Se você tiver estudado Administração, provavelmente estudou muito sobre como gerenciar pessoas: como se organizar, planejar, delegar e controlar, e até mesmo como liderar. Infelizmente, a maioria de nós não estudou algo que deve anteceder tudo isso: saber como se livrar das pessoas erradas, contratar as pessoas certas e colocá-las nas posições adequadas. Isso requer um conhecimento básico sobre como avaliar pessoas. Em outubro de 2011, palestrei no Forum de Negócios Mundial, uma reunião de 4 mil executivos seniores e gerentes em Nova Iorque. Comecei perguntando à audiência: “quantos de vocês cometeram grandes erros enquanto faziam escolhas cruciais de pessoas?”. Todos levantaram as mãos. Então perguntei: “quantos de vocês estudaram como avaliar pessoas?”. Apenas 20 pessoas – dentre 4 mil – levantaram as mãos. É menos de 1%. Fiz essas perguntas várias vezes em 40 países diferentes, e as respostas foram similares. A vasta maioria dos gestores e líderes não recebeu educação e treinamento apropriados para avaliar outras pessoas e ajudar aqueles ao seu redor a atingir o máximo potencial. É um grave deficit até na maioria das escolas de negócios. A boa notícia, entretanto, é que não estamos condenados ao fracasso. Fazer grandes decisões sobre pessoas é muito difícil; elas não se baseiam em pressentimentos ou intuição, mas em um ofício e uma disciplina que podem ser aprendidos e dominados.