O efeito do isolamento e do estado de calamidade pública provocado pelo coronavírus é arrasador para as finanças dos trabalhadores brasileiros. Se mesmo profissionais formais podem ter cortes de 30% a 40% do salário em empresas que são mais severamente afetadas pela pandemia, quem dirá os trabalhadores autônomos.
Caixas, vendedores e garçons estão encarando o fechamento dos negócios onde atuam, como shoppings, bares, restaurantes e lojas. Muitos, que recebem apenas comissão, ficarão sem salário. Outros, que têm um salário fixo e também recebem comissão, terão de enfrentar uma redução de mais da metade do salário, em alguns casos.
Quem já estava desempregado e batalhava para fazer bicos como motorista de aplicativo também é afetado pela crise. Na Uber, a demanda já reduziu mais de 70% em alguns estados.
Além deles, profissionais que atendem em clínicas e escritórios, como advogados, médicos e psicólogos, e também prestadores de serviço, como diaristas e pedreiros, sentem o peso do efeito do isolamento causado pela pandemia do coronavírus nas finanças.
Para quem não tem reserva de emergência, o aperto financeiro pode ser assustador. Mas a dica dos consultores financeiros ouvidos por EXAME é manter a calma como forma a tomar as melhores decisões em relação ao dinheiro neste momento.
Veja abaixo algumas dicas que podem ajudar a passar por esse período de turbulência financeira.
O primeiro passo para começar a se organizar e não entrar em pânico é rever todas as despesas, calculando quanto será necessário para suprir todas as contas básicas e prioritárias a serem pagas durante o período de crise.
Segundo Angela Nunes, planejadora financeira e membro do Conselho de Administração da Planejar, “ter a dimensão do que entra e sai e revisar os gastos pode ajudar de forma significativa para as finanças dos trabalhadores, especialmente no cenário atual. É um hábito que deve ser levado para a vida”.
É importante definir qual é o montante de retirada do mês após os pagamentos de todas as despesas para criar um limite máximo de gastos durante o momento de aperto.
A principal dificuldade no momento é buscar formas alternativas de renda. Isso porque com todas as restrições ocorridas por conta da paralisação de combate ao coronavírus, os consumidores também diminuem seu ritmo de consumo e precisam gastar menos.
“Isso gera menos renda para os trabalhadores autônomos que dependem dessa prestação de serviço para obter seu dinheiro e pagar seus boletos que não vão parar de chegar”, diz Angela.
Como consequência, resta tentar diminuir os padrões de vida como forma de economizar durante a crise.
Crie o hábito de fazer um controle financeiro do que gasta e ganha. “O ideal é utilizar ferramentas que facilitem a visualização do processo de entrada e saída do dinheiro, evitando que alguns valores se percam”, diz Alberto Hamoui, administrador de empresas e CEO do Hybank, fintech de gestão financeira para o microempreendedor.
Ao passar mais tempo em casa, a tentação para comprar coisas pela internet pode ser grande, pontua Angela. “Tudo bem gastar com o delivery do supermercado para evitar o contágio do vírus, mas não é recomendável aproveitar a oferta da loja de roupa. A dica é segurar os gastos o máximo possível”.
No momento de uma grande crise, é interesse de todos negociar. Portanto, Angela aconselha negociar o aluguel com o locatário. “Uma saída pode ser parcelar o valor, ou jogar a parcela para ser paga lá na frente. É uma forma de não utilizar a reserva financeira e não se endividar”.
Renegociar com bancos também pode ser interessante, diz a consultora financeira. “O ideal é renegociar, e não pausar. Porque na pausa continuam correndo juros, não é um benefício gratuito”. Uma dica é aproveitar a Selic na mínima histórica para portar a dívida mais cara para uma instituição financeira que pague uma taxa mais barata.
“Com taxa menor e alongamento do prazo, é possível diminuir a pressão da dívida no orçamento. Dessa forma, quando o fluxo de renda normalizar, é possível pagar as parcelas adiantadas ou renegociar a dívida para um prazo mais curto”.
Já que faltam alternativas de renda, a saída é tentar inovar na forma de prestar o próprio serviço. Essa oportunidade pode estar vinculada ao mundo digital.
“Realizar consultas online, via videoconferência, pode ser uma boa saída para profissionais de saúde e psicólogos”, diz Angela. “É um aprendizado que poderá ser usado depois na profissão”.
Mesmo funções que não envolvem contato físico direto podem ser ministradas e mediadas por meio de chamadas de vídeo pela internet. “É o caso de professores que dão aulas particulares ou em grupo e até o personal trainer, de alguma forma. Até fisioterapeutas, que precisam de contato físico, podem buscar ao menos orientar clientes pela internet”.
É em uma crise que se entende a relevância do planejamento financeiro para enfrentar essas situações. “Por mais que a vida seja imprevisível, um bom planejamento financeiro ajuda a mitigar os impactos”.
A reserva de emergência é fundamental para ter uma tranquilidade nessas situações. Para os autônomos, ter uma reserva de sazonalidade para compensar os períodos de baixa do trabalho também é um instrumento muito importante nesses momentos, aconselha Angela. “Contudo, como há incerteza sobre quando o isolamento irá acabar, é necessário usar essa reserva de forma consciente e preservá-la ao máximo”.
Mesmo com um planejamento bem feito, não significa que as pessoas não vão sofrer os impactos da crise, mas, sim, passarão por ela de forma mais amena.
Em uma crise grave como a atual o poder de negociação é extremamente necessário aos autônomos. A renegociação vale para dívidas e também para acordos com clientes.
Caso a diarista, o fisioterapeuta, entre outros profissionais, tenha fechado um pacote periódico de prestação de serviço a clientes, é hora de negociar que os valores previstos continuem a ser pagos e, no futuro, o serviço que não foi feito poderá ser compensado, aos poucos ou em um período determinado.
Para minimizar as chances dos fluxos de dinheiro se misturarem é importante ter contas correntes distintas para as finanças pessoais e os do serviço prestado, principalmente nos casos dos motoristas de aplicativos, donos de consultórios e salões de beleza. Caso não faça essa divisão de forma clara, a chance de nao conseguir manter a prestação de serviço após a crise, e piorar o aperto, é grande.
“O empreendedorismo é ainda uma prática nova para boa parte dos brasileiros, impulsionada pelo desemprego. Com isso, é natural que ainda haja confusão entre esses dois fluxos de despesas, especialmente, para o microempreendedor”, explica Hamoui, do Hybank.
O ideal é que se tenha uma reserva de emergência pessoal e outra para o negócio, “O objetivo é evitar o máximo possível quebrar essa barreira”, diz Angela, da Planejar.