O aperto do crédito provocado pelo Banco Central chega com cada vez mais força às famílias e empresas brasileiras. Nesta terça-feira (29), o BC divulgou que a taxa média de juros do chamado crédito livre, que são as linhas sem subsídios, subiu para 44,23% ao ano em fevereiro. Trata-se do maior patamar desde agosto de 2017, quando alcançou 45,59%.
No cheque especial, houve um forte aumento de janeiro para fevereiro: de 131,1% para 137,4%. O mesmo efeito aconteceu com o rotativo do cartão de crédito, que saltou de 411,4% para 417,4%.
— Isso é resultado do momento econômico que estamos vivendo. Temos a Selic (taxa básica de juros) no patamar elevado de 13,75%, e o Banco Central sinalizando que vai manter por algum tempo essa taxa elevada, mesmo com a pressão do governo (para a queda dos juros) — avalia Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor-executivo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).
Bola de neve
Um dos efeitos negativos dos juros elevados, porém, é o endividamento das famílias com bancos e instituições financeiras. Até janeiro de 2023, o nível de endividados estava em 48,8%, alta de 1 ponto percentual em 12 meses, segundo dados do BC.
— Vivemos o maior nível de juro desde 2015/2016, quando a Selic atingiu 14,25% ao ano. Existem famílias e empresas que não têm outra opção para sobreviver, elas precisam recorrer aos empréstimos bancários ou tomar crédito no mercado e capitais, no caso das empresas. Neste momento, está saindo bastante caro com o nível em que a Selic está — pontua Walter Fogolin, economista e gerente de Produtos da InvestSmart da XP.
Luana Nascimento, de 29 anos, é técnica de enfermagem, mas parou de trabalhar após engravidar. Sempre preocupada em pagar as contas em dia, a moradora de Queimados, na Baixada Fluminense, viu seu nome ficar negativado após o marido perder o emprego. O dinheiro que usava para quitar a fatura do cartão de crédito teve que ir para despesas mais urgentes.
— Eu tinha dois cartões. Optei por deixar de pagar um e fiquei apenas com o outro. Hoje, virou uma bola de neve que chuto todo mês — revela.
Segundo os dados divulgados ontem, o volume total de crédito concedido em fevereiro foi de R$ 421,8 bilhões. Houve um aumento de R$ 21,2 bilhões em relação ao mesmo mês do ano passado. Os números, contudo, indicam uma desaceleração: o aumento de fevereiro de 2021 ante o mesmo mês de 2022 foi de R$ 87,7 bilhões.
— A partir do segundo semestre tem uma desaceleração do crédito. Isso significa que o crédito continua crescendo, porém em volumes menores. O segundo semestre do ano passado foi um momento de desaceleração da atividade econômica como um todo. O ciclo de aperto contribui para a desaceleração do crédito — diz o chefe do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha.
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Queda na oferta
Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), argumenta que os dados do BC atestam “claramente” que o ciclo de “queda na oferta e da demanda de crédito foi acentuado”:
— As razões são muitas. Há a inflação elevada; o efeito do forte aperto monetário; um fim das antecipações de caixa, fundo de garantia, 13º e todos os outros incentivos (ao consumo) do período eleitoral que foram esgotados; um endividamento elevado que limita a capacidade de absorção de crédito etc.
Paulo Roberto Vieira, de 33 anos, aproveitou o último Feirão Limpa Nome do Serasa para quitar suas dívidas, que somavam cerca de R$ 9 mil. Vendedor de carros em São Vicente, no litoral paulista, seus principais credores eram companhias de telefone e bancos.
— Meu ramo passou e passa por uma instabilidade muito grande. Na época em que contraí as dívidas, as vendas estavam muito fracas. Daí foi acumulando, acumulando, e não consegui pagar — comenta.
Segundo Vieira, com os descontos oferecidos no Feirão — algumas deduções chegaram a 92% — os R$ 9 mil saíram por cerca de R$ 1 mil.