Pesquisa da ResumeLab realizada no ano passado mostra que 80% das pessoas têm pelo menos um colega de trabalho considerado “terrível” e isso impacta negativamente no desempenho. A pesquisa “The Price of Incivility”, de Harvard Business Review, mostra que a baixa qualidade nas relações de trabalho pode causar quedas consideráveis na performance, falta de criatividade ou inovação, descomprometimento, aumento de estresse e impacto negativo na saúde física e mental.
O que torna alguém “difícil”?
Amy Gallo, autora do livro “Getting Along: How to Work with Difficult People”, destaca que o difícil é relativo. As pessoas intituladas “difíceis de se lidar” podem ser nós mesmos. “Essa autoavaliação pode fazer toda a diferença na forma como os relacionamentos são conduzidos”, afirma Maria Eduarda Silveira, sócia-fundadora da Bold HRO, consultoria de recrutamento especializado e desenvolvimento organizacional.
Com exceção de casos de assédio e condutas tóxicas que devem ser notificadas para a devida intervenção, as percepções cotidianas dos colegas de trabalho podem ser enviesadas por opiniões individuais e pela própria perspectiva. É preciso ponderar se o que o incomoda no outro está ligado a algo que conflita os próprios interesses ou traz uma perspectiva fora do costume.
“Discordar, no entanto, não é algo necessariamente ruim. Perspectivas diferentes trazem novas contribuições e devem ser consideradas com integridade e respeito. Empresas são formadas por pessoas com histórias, pensamentos, repertórios e comportamentos diferentes que somente funcionam em sinergia quando a cultura organizacional, em seu conjunto de valores, crenças, normas e comportamentos, reconhece essa pluralidade e mantém uma comunicação aberta entre os colaboradores”, defende Maria Eduarda.
Segundo a consultora, a cultura da empresa está relacionada ao clima organizacional, ou seja, como os indivíduos se sentem em relação ao ambiente de trabalho. Ter uma gestão que se preocupa com a qualidade de vida do seu público interno faz diferença em um contexto no qual o Brasil é o segundo país com mais casos de burnout no mundo, de acordo com dados da International Stress Management Association (Isma).
Para Alexandre Faria, responsável pela área de Recursos Humanos da AeC, empresa de tecnologia especializada em relacionamento com clientes, muitas empresas contratam pela competência técnica, mas demitem por questões de relacionamento.
“É importante essa competência de relacionamento. Não há pessoas difíceis de se lidar. Há uma pluralidade e diversidade de pensamentos e isso está ligado a forma como cada pessoa interpreta a situação. No trabalho, é preciso avaliar o ambiente e a cultura da empresa”, explica o gestor.
O bom relacionamento profissional contribui para a prevenção dos sintomas de estresse e esgotamento corporativo. A sócia-fundadora da Bold HRO e a plataforma Appus, de gestão de pessoas, listam insights sobre como desconstruir os problemas interpessoais no trabalho:
“Você também pode ser uma pessoa difícil na ótica de outra pessoa, do mesmo modo que o que incomoda no outro pode ser um espelho da sua própria conduta. Com isso, busque por feedbacks honestos sobre como você se comporta no dia a dia e o impacto que tem nos demais. Identifique seus limites, se respeite também a fim de antecipar provocações e evitar reações extremas, as quais você pode se arrepender no instante seguinte. Esse processo de autoconsciência e autoconhecimento também faz parte da administração da inteligência emocional, fundamental para o fortalecimento da carreira”, explica Maria Eduarda.
“A empatia não só pode ser praticada como despertada. Ao enfrentar uma questão que atrapalha o andamento de determinado projeto e pode prejudicar a convivência com o restante da equipe, é interessante abrir essas questões para que as pessoas compreendam as suas dificuldades e possam até mesmo auxiliar na busca por soluções. Procure trabalhar a situação para que o outro possa entender as diferenças e ter uma compreensão maior dos entraves”, informa a plataforma Appus.
“Tente compreender em qual posição o seu colega se encontra no momento. Fatores pessoais ou situações de pressão no trabalho podem estar interferindo em seus comportamentos. Nesses momentos, a escuta deve ser praticada para evitar conflitos desnecessários e encontrar melhores formas de resolver as pendências, o que muitas vezes exige que opiniões sejam deixadas de lado em um primeiro momento. Por outro lado, caso a situação perdure, resta aceitar que você não pode controlar o comportamento dos outros e que as ações não devem ser levadas para o lado pessoa”, orienta a sócia-fundadora da Bold.
“Em algumas situações mais complicadas, podemos sentir que chegamos ao nosso limite, mas ter autocontrole é essencial para mantermos a situação dentro de parâmetros aceitáveis. Muitas vezes, em uma situação tensa podemos dizer coisas que venham a gerar grandes prejuízos. O quadro fica mais complexo quando a pessoa em questão é o seu chefe. Espere passar o momento mais complicado e depois, com calma, procure mostrar como se sentiu e colaborar para que essas relações sejam melhoradas”, explica a Appus.
“Não veja o seu colega como “inimigo”. Mesmo diante de desavenças, é preciso oferecer diálogos que permitam alinhar os pontos de vista e encontrar soluções para o trabalho em conjunto. Tentar prejudicar o outro ou rejeitar trocas podem tanto prejudicar a produtividade do trabalho quanto gerar mais estresse no dia a dia”, afirma Maria Eduarda.
“Se você percebeu que um colega está estranho, não fique fazendo várias perguntas ou tentando entender o que aconteceu a todo custo. Respeite o espaço dele e pense que todos temos dias ruins. Deixe a pessoa à vontade para lhe procurar se precisar conversar. Lembre-se também que o que você gosta nem sempre agrada a outra pessoa. Tome cuidado com perfumes fortes, música alta e outras coisas que possam invadir o espaço alheio”, orienta a plataforma de RH.
“A fofoca pode parecer uma “maneira fácil” de promover a interação entre os profissionais, mas é preciso se atentar para o motivo que leva a isso. É para acolher o próprio ego? Atacar algum colega em específico? Há algum benefício nisso? Embora aparentemente inofensivas, fofocas podem construir um ambiente hostil que dificulta reconciliações e até mesmo o exercício da autoconsciência”, disse Maria Eduarda.
“As pessoas são contratadas pelas suas habilidades técnicas, mas são demitidas pelos seus comportamentos”. A famosa frase de Peter Drucker traz uma realidade ainda mais evidente com a priorização atual das chamadas soft skills, habilidades comportamentais com grande influência em como o profissional se relaciona com os outros e lida com as próprias emoções. Alguns dos principais exemplos são empatia, comunicação, adaptação e liderança”, afirma a sócia-fundadora da Bold.
“Reconhecer o que precisa mudar nas relações de trabalho é um grande passo para que a ideia de “pessoa difícil” deixe de tirar seu sono. O comprometimento com si mesmo é a palavra-chave para quem pretende embarcar nessa jornada de transformação em busca de melhores relacionamentos do trabalho e na vida”, finaliza Maria Eduarda.