Jamais me esqueci da clássica cena do filme Titanic, em que os músicos da orquestra continuam tocando seus instrumentos enquanto o navio afunda. O mais intrigante é que – de acordo com relatos de sobreviventes – isso de fato ocorreu, e pode nos levar a pensar nos tempos atuais, em que o naufrágio das certezas paradigmáticas que nos trouxeram até aqui bate à porta.
Estamos vivendo uma era de descompactação, em um mundo complexo e ansioso, com diversas mudanças ocorrendo em um curto espaço de tempo. As organizações tradicionais precisam revisitar a sua forma de pensar, atuar e planejar, ressignificando concorrência, cliente, colaborador, inovação e, acima de tudo, futuro.
E não é nada simples refrescar sistemas (e olhos) cansados que buscam previsibilidade, segurança e controle. O preço e o risco da renovação são altos, mas não fazê-la pode ser ainda mais custoso.
Fica, então, a reflexão: qual é o modelo mental ideal para que a mudança e a inovação ocorram de forma autêntica, equilibrada e criativa para indivíduos e negócios? Como combater o poder da inércia, do hábito, da resistência, das respostas rápidas – e até mesmo do sucesso – para liderar equipes e negócios em tempos gasosos?
Como bem pontua o livro A Coragem de Criar, de Rollo May, “a necessidade de coragem criativa é proporcional ao grau de mudança do mundo”. O sucesso corporativo do século 21, portanto, provavelmente será baseado na construção de culturas organizacionais corajosas, que incentivem tanto o florescimento de ideias quanto a flexibilidade e resiliência para testá-las, apesar da incerteza e da insegurança.
A palavra coragem, por sinal, tem origem no latim coraticum, que significa “do coração”. Assim como esse órgão é a base do funcionamento do corpo, a coragem pode ser considerada a base das demais virtudes psicológicas, que está relacionada à capacidade de enfrentar situações difíceis, perigosas ou desconfortáveis, mesmo diante do medo e da incerteza.
De acordo com o livro de psicologia positiva Character, Strengths and Virtues, de Christopher Peterson e Martin E.P. Seligman, a coragem é uma força interna que se caracteriza por quatro virtudes principais: bravura, persistência, integridade e vitalidade.
Trazendo essa força para o ambiente corporativo, torna-se evidente a necessidade da coragem para expressar ideias originais e, mais importante, canalizar de forma efetiva a inquietude e aspiração para que seja possível materializá-las.
Para isso, é preciso vencer o medo da reprovação e do fracasso, tanto individual quanto coletivo, desapegando-se de paradigmas obsoletos. “O cliente sempre tem razão”. “Não reinvente a roda”. “Tempo é dinheiro”. “Manda quem pode; obedece quem tem juízo”. “Temos que crescer e escalar o negócio”. Será?!
A coragem como ativo organizacional deve ser alicerçada tanto na gestão do medo quanto na intenção e disponibilidade para agir com responsabilidade. Para que os negócios se adaptem e sobrevivam, é preciso cultivar um ambiente que não retraia a coragem, e que estimule de forma contínua e consistente a sede de aprendizagem e a iniciativa para buscar novas perspectivas, considerando tanto as tendências emergentes quanto as contra-tendências, com um olhar inclusivo, curioso e holístico.
Em suma, a coragem e a liberdade criativa são a base da inovação nos negócios, na arte e na ciência. O conformismo intelectual e social que assola nossas mentes deve ser combatido com o acolhimento da autenticidade, abertura e gestão dos riscos. O show, apesar do exemplo dos músicos do Titanic, nem sempre deve continuar do mesmo jeito. Como diria Jung, viver é perigoso. E se não for, então nada aconteceu.
* Patricia Cotton é fundadora do Upside Down Thinking.