Marta Watanabe
A Receita Federal soltou uma solução de consulta que afeta as companhias brasileiras que controlam indiretamente, por meio de subsidiárias no exterior, outras empresas brasileiras. Segundo a Receita, a holding brasileira precisa reconhecer integralmente todos os resultados da controlada estrangeira, mesmo que parte deles tenha origem nos lucros da indireta brasileira. Na prática, a holding no Brasil fica impedida de compensar o Imposto de Renda (IR) pago no país pela empresa brasileira controlada indiretamente, o que gera uma dupla tributação sobre o mesmo lucro.
Algumas companhias possuem essa estrutura conhecida no mercado como "brazilian sandwich" - duas empresas brasileiras com uma subsidiária no exterior no meio - em função de um clássico planejamento para fugir de uma tributação determinada pela Lei nº 10.833, de 2003. Essa lei determinou que as companhias no exterior pagassem IR sobre ganho de capital na venda de empresas brasileiras. Pela legislação, a responsabilidade de recolher esse IR era da empresa brasileira compradora.
Para eliminar esse IR sobre ganho de capital, a estratégia foi transferir a efetivação do negócio para o exterior. Por esse planejamento, a companhia estrangeira formava uma outra empresa no exterior que entrava na história como holding da firma brasileira que ela pretendia vender. Assim, em vez de vender o ativo no Brasil, o que gerava o IR, a empresa estrangeira vendia a holding no exterior à compradora brasileira. Ao fim do negócio, restavam duas companhias brasileiras com uma subsidiária estrangeira de "recheio". A redução de carga tributária beneficiava, na prática, as duas partes porque permitia uma melhor negociação de preços entre vendedor e comprador.
O passo seguinte para esse planejamento, diz Gustavo Haddad, sócio do Lefosse Advogados, era uma reestruturação de forma que a subsidiária no exterior fosse eliminada, restando somente as brasileiras. "Mas nem sempre isso é possível por questões societárias ou operacionais da holding estrangeira." Paulo Vaz, do Levy & Salomão, lembra que algumas multinacionais também mantêm estruturas desse tipo para facilitar a venda de investimentos no exterior.
De qualquer forma, dizem os advogados, a conclusão da solução de consulta nº 40, da Receita Federal, resulta numa segunda tributação de um mesmo lucro que já pagou IR no próprio país. A tributarista Simone Musa, sócia do Trench, Rossi e Watanabe, discorda do entendimento do Fisco. Ela explica que, por um instrumento chamado de equivalência patrimonial, a holding brasileira reconhece no país os resultados integrais da controlada estrangeira. E boa parte desse resultado pode ter sido, nesse caso, originado pela controlada brasileira indireta, com o IR já devidamente recolhido. "Pela resposta à consulta, a Receita não permite a exclusão dos resultados originados pela controlada indireta no Brasil, tratando todo o lucro como originado no exterior."
"Trata-se de uma interpretação extremamente literal da lei", diz Vaz. Para ele, a Receita distorce a natureza da equivalência patrimonial, mecanismo contábil que, para fins tributários, argumenta, permite a cobrança do IR sobre ganhos que não foram anteriormente tributados no país. "Não é esse o caso da controlada brasileira indireta, que já recolheu o imposto sobre seu lucro no Brasil."
Para a advogada Simone Musa, a decisão da Receita revela que a fiscalização tem usado critérios diferentes para definir a tributação de estruturas societárias que utilizam holdings no exterior. Ela lembra que, recentemente, o Conselho de Contribuintes seguiu a linha de argumentação do Fisco e decidiu, no caso da Eagle, empresa do grupo Ambev, que as holdings deveriam ser desconsideradas e que a cobrança do IR deveria analisar o local de origem da apuração do lucro. "É exatamente a interpretação contrária a esta adotada na solução de consulta. Aqui a Receita vai para o outro extremo." Na consulta, afirma Simone, ignora-se completamente que parte do lucro foi originado no Brasil e olha-se somente a holding, tratando todos os lucros dela como se tivessem sido apurados no exterior.
Para Vaz, há uma grande possibilidade de questionamento da resposta da Receita. Ele diz que a variação cambial dos resultados no exterior passou por controvérsia semelhante. "A fiscalização entendia que não havia previsão legal para a retirada dos resultados de variação cambial dos lucros operacionais apurados no exterior, mas esse assunto tem tido reiterados julgamentos favoráveis às empresas no Conselho."