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Empresa refinancia, mas não paga tributos

Mesmo com os seguidos parcelamentos concedidos pela União desde 2000, contribuintes deixam de honrar compromissos

LEANDRA PERES


Os três programas de parcelamento de impostos que foram criados desde 2000 garantiram descontos e prazos camaradas a empresas e a contribuintes em dívida com o fisco, mas não serviram para que quitassem suas dívidas, objetivo das medidas. Pelo contrário.
Em documento entregue a parlamentares que debatem um novo programa desse tipo, obtido pela Folha, a Receita Federal mostra que 85% dos contribuintes que aderiram ao Refis de 2000, o primeiro e mais mais generoso desses programas, foram excluídos principalmente por falta de pagamento. Além disso, 151.986 empresas e pessoas físicas migraram de um parcelamento para outro, aproveitando os novos benefícios sem quitar a dívida.
Hoje, a Câmara dos Deputados deve votar mais um desses programas, mantendo a média histórica de novos parcelamentos a cada três anos. O último havia ocorrido em 2006.
"Podemos constatar que esses programas têm sido prejudiciais para a administração tributária. São péssimos exemplos para os contribuintes que cumprem suas obrigações e pagam pontualmente seus impostos", afirmam os técnicos da Receita em documento distribuído aos parlamentares.
Procurada, a secretária da Receita Federal, Lina Maria Vieira, não criticou diretamente a proposta no Congresso, mas disse que a criação recorrente de programas que dão condições favoráveis a quem não pagou impostos reduz o recolhimento espontâneo feito por empresas e pessoas físicas.
No Refis, 129 mil empresas aderiram e prometeram pagar uma dívida de R$ 96 bilhões. Hoje, 109.926 contribuintes já foram excluídos. O principal motivo é a falta de pagamento, que responde pela saída de 85,7 mil contribuintes do programa (inadimplência de 78%). O Paes, também conhecido como Refis 2, já alcança exclusões de quase metade dos 374 mil contribuintes que aderiram.
A outra distorção apontada pela Receita é a migração de devedores entre os diversos parcelamentos. Na lei que criou o Refis, havia a proibição para que as dívidas renegociadas fossem novamente parceladas. Mas essa vedação caiu nos parcelamentos de 2003 e de 2006. Isso permitiu que os contribuintes que ficassem inadimplentes se beneficiassem novamente.
Pelo levantamento da Receita, dos quase 110 mil contribuintes que foram excluídos do Refis, 74.961 renegociaram suas dívidas nos anos posteriores -percentual de reincidência de 68%. Do Paes, houve a migração de 77 mil contribuintes para o Paex, ou Refis 3.
"Os optantes pelos diversos programas são recorrentes, somente com o propósito de postergar o pagamento dos débitos tributários e não para sanear com vista à regularização fiscal", diz o documento oficial.
As empresas e pessoas físicas são excluídas dos Refis 1, 2 e 3 depois de três meses de inadimplência ou se deixam de pagar os impostos devidos mensalmente. Elas perdem os benefícios do programa e têm suas dívidas recalculadas pelas condições originais, que incluem juros pela Selic e multa de até 20%. O valor que eventualmente tenha sido pago nas regras do refinanciamento é abatido do débito.
Além disso, as empresas que devem impostos ao governo não podem participar de licitações e não têm acesso a financiamentos concedidos por bancos públicos.

 

Governo cede a pressões políticas que desvirtuam os objetivos dos programas


O refinanciamento de dívidas tributárias, hoje criticado pela Receita, nasceu dentro do próprio órgão. O primeiro Refis foi criado em 2000 por meio de medida provisória. Os outros dois tiveram origem em negociações políticas e pressões do Congresso Nacional às quais o governo acabou cedendo.
Originalmente, o Refis não dava descontos em multas ou em juros devidos pelos contribuintes em atraso. Mas permitia negociações por tempo ilimitado, dependendo da capacidade de pagamento de cada contribuinte. Assim, algumas empresas conseguiram prazos superiores a cem anos para quitar seus débitos.
Secretário da Receita na época, Everardo Maciel defende o programa. Segundo ele, não adianta fixar um número máximo de parcelas sem levar em conta a capacidade de pagamento dos contribuintes.
O Refis 2 surgiu de acordo político feito no fim do governo FHC e chancelado pela equipe de transição do governo Lula. Para garantir o apoio da oposição ao aumento de impostos que renderia R$ 5 bilhões em 2003, o governo concordou em reabrir o prazo de adesão ao Refis, medida que foi vetada.
Mas, para desobstruir as votações no Congresso, o governo foi obrigado a apresentar a proposta de um Refis 2. Começou dizendo que negociaria apenas as dívidas de micro e pequenas empresas e acabou beneficiando todos os devedores, embora com condições diferenciadas.
O Refis 3 também nasceu no Congresso na forma de uma reabertura ao prazo de adesão do Refis original. Foi vetado pelo presidente e depois repaginado pelo governo para atender à pressão política.
Uma medida provisória permitiu a renegociação em até 130 meses e parcelas corrigidas com juros subsidiados.


 

Congresso pode aprovar novo programa

A Câmara dos Deputados pode aprovar hoje o quarto programa de parcelamento de dívidas com a Receita Federal em dez anos, com benefícios a empresas e a pessoas físicas, incluindo os participantes dos programas anteriores.


Pela proposta, todas as dívidas com o fisco vencidas até novembro do ano passado poderão ser parceladas em até 180 meses, com redução de multas e de juros de mora e correção por taxas abaixo das cobradas no mercado. Nas condições oferecidas normalmente pela Receita, o prazo máximo é de 60 meses, com correção pelos juros do Banco Central.


O texto foi incluído pelos deputados em uma medida provisória editada em 2008, cujo objetivo original era beneficiar apenas as dívidas de até R$ 10 mil. Os benefícios ainda foram ampliados pelo Senado, o que levou a medida provisória de volta à Câmara.


Após reunião com o presidente Lula e quatro ministros, na manhã de ontem, congressistas da base aliada afirmaram que tentariam derrubar, na votação final, parte das alterações promovidas pelos senadores. Na Câmara, porém, há resistências à ideia de aprovar um texto menos generoso que o do Senado em um tema caro ao lobby empresarial.


Uma das prioridades é restabelecer a regra que fixa, para os beneficiários de parcelamentos anteriores, prestação mínima equivalente a 85% do valor pago atualmente. A Fazenda argumenta que, sem a restrição, a receita do governo cairá substancialmente.


"Todos temos de ter responsabilidade para manter a arrecadação mínima do governo, porque tem programas sociais, obras fundamentais. Como a arrecadação está caindo, o governo tem de ter cuidado redobrado nessa questão", disse o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).


Segundo Jucá, os parlamentares presentes pleitearam da área econômica a possibilidade de manter no texto a correção das dívidas pela TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo), hoje em 6,25% ao ano. O governo, entretanto, quer manter a Selic, fixada pelo BC em 10,25% ao ano.


Se for aprovada em plenário a correção pela TJLP, Lula poderá vetar esse ponto posteriormente, sinalizaram parlamentares presentes à reunião.