Filipe Coutinho
O Superior Tribunal de Justiça decidiu nesta quarta-feira (12/08) que o direito dos consumidores a correção monetária dos pagamentos dos empréstimos compulsórios da Eletrobrás não prescreveu. Em um julgamento que demorou dez meses, os ministros da 1ª Seção impuseram uma derrota bilionária à União, que deverá atualizar parte dos valores pagos de empréstimos feitos entre 1977 e 1993. Estima-se que a correção desses valores pode variar entre R$ 1 bilhão a R$ 3 bilhões.
O julgamento do Recurso Especial 1.028.592 seguiu as regras da lei dos recursos repetitivos. Assim, a decisão desta quarta-feira servirá de referência para todos os casos semelhantes que chegarem ao STJ. Não se sabe com exatidão o tamanho da derrota da Eletrobrás. O rombo dependerá das ações impetradas. Com a decisão do STJ, ficou definido que não prescrevam todos os pagamentos homologados nas assembleias de 2005 e 2007.
A disputa durou mais de dez meses, em razão de três pedidos de vista do ministro Benedito Gonçalves, o que chegou a gerar mal-estar na Seção. Nesta quarta-feira, o ministro votou a favor da União, ou seja, que todos os casos prescreveram. Para o ministro, o prazo de prescrição começou a correr quando o valor devido foi escriturado — a última escrituração foi em 1993. “Temos a inicial do prazo da prescricional na data em que a Eletrobrás escriturou os créditos no valor nominal, sem a correção. Se houve lesão em relação à correção, essa ocorreu com a escrituração”, disse.
A tese da prescrição foi acompanhada pelos ministros Humberto Martins, Mauro Campbell e Francisco Falcão. Martins e Campbell, porém, foram a favor do consumidor sobre a correção monetária após a discussão sobre a apontada prescrição. Após muita discussão e confusão em relação à prescrição e a correção dos valores, a maioria dos ministros seguiu o voto da relatora Eliana Calmon. Sobre a prescrição, o placar ficou em cinco a quatro a favor do consumidor. Na discussão sobre a correção monetária, sete votaram a favor e dois, contra.
Homologação
No voto proferido há dez meses, a ministra defendeu os consumidores. “Em um primeiro momento, pareceu-me plausível a tese de que o pagamento, através da efetiva conversão dos créditos em ações, teria ocorrido com a transferência de titularidade. Porém, tal situação demonstra que o registro da titularidade da ação no livro próprio tem efeito meramente declaratório porque a Eletrobrás, a partir da homologação, reconheceu imediatamente os titulares dos créditos como novos acionistas”, votou Eliana Calmon. Com esse entendimento, as conversões homologadas nas assembleias de 2005 e 2005 ainda não prescreveram e, portanto, podem ser contestadas na Justiça.
Além disso, em relação a escrituração dos créditos em valor nominal, como votou Gonçalves, a ministra defendeu que ainda não havia ocorrido a lesão. Portanto, sem contar como prazo prescricional. “Era apenas uma ameaça de lesão”, classificou Eliana.
Na sessão desta quarta-feira, acompanharam a relatora os ministros Hermann Benjamin, Denise Arruda, Castro Meira e Teori Zavascki. “Nossa função é uniformizar a jurisprudência, como fez a relatora, que abrangeu a jurisprudência mais recente do tribunal”, resumiu a ministra Denise Arruda.
O julgamento demorou pois, em junho, Gonçalves pediu vista para atender a um pedido do advogado-geral da União, José Antonio Dias Toffoli, que queria participar da sessão. Nesta quarta-feira, Toffoli chegou a ir à tribuna, mas nada falou. O advogado-geral da União também não quis dar entrevistas após a derrota. Passou a bola para os advogados da Eletrobrás. Segundo Igor Santiago, um dos advogados da estatal na ação, a derrota da Eletrobrás poderia ter sido ainda pior. “Poderia valer para tudo, mas os ministros limitaram violentamente para as conversões homologadas nas assembleias de 2005 e 2007”, disse.
A decisão do STJ usou como paradigma dois casos. Em nome da Máquinas Condor, a defesa ficou por conta da dupla Sepúlveda Pertence, ex-ministro do STF, e Alde Santos Junior. Segundo o ex-ministro do STF, a vitória foi do consumidor. “A decisão foi uma vitória para os consumidores, que agora sabem que os seus direitos não prescreveram”, disse Pertence.
Histórico
Os empréstimos compulsórios da Eletrobrás remetem a uma época atribulada da economia brasileira, com troca de moedas e índices de inflação estratosféricos. O empréstimo compulsório foi instituído pela Lei 4.156/62 e vigorou de 1977 a 1993. A Eletrobrás tomava empréstimos mensalmente do contribuinte, com valores embutidos na conta de luz. Esse empréstimo foi cobrado de grandes consumidores de energia, que usavam mais de 2 mil kw/h por mês. O pagamento dos juros foi feito antecipadamente. O pagamento do montante principal, por sua vez, foi feito por meio da transferência de ações. Contudo, foi apenas considerado o valor nominal, sem qualquer correção monetária.
REsp 1.028.592