Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem apertado o cerco contra as empresas que andam fora da linha. Em 2009, foram julgados 60 processos administrativos e fechados 56 termos de compromisso - nesse caso, o triplo do que foi fechado em 2006. E, mesmo nos casos de acordo para encerrar os processos de investigação, o martelo não é batido por menos que o dobro do valor obtido com a operação irregular. Entre os casos mais emblemáticos do ano passado está o acordo, acertado nos últimos dias do ano, que envolveu o trio de fundadores da AmBev - Marcel Telles, Jorge Paulo Lemann e Carlos Alberto Sicupira. Os empresários terão de pagar R$ 18,6 milhões à CVM para encerrar processos administrativos contra eles. Os três foram acusados de abuso de poder ao usar o plano de opção de compra de ações da AmBev para aumentar suas participações acionárias, com prejuízo aos acionistas minoritários. A proposta inicial dos sócios era pagar à CVM R$ 3 milhões; valor que foi recusado. Em outubro do ano passado, outro valor expressivo. O Credit Suisse aceitou desembolsar R$ 19,2 milhões para encerrar um processo na CVM em que a instituição financeira era acusada de uso de informação privilegiada para negociar ações da Embraer. E o trabalho de fiscalização, segundo a presidente da CVM, Maria Helena Santana, deve aumentar este ano, com a chegada de mais empresas de capital aberto. Até agora, primeiro mês do ano, já são cinco pedidos de IPO. Para aumentar a agilidade na investigação das irregularidades, a CVM acertou uma parceria com a Polícia Federal, que em breve será anunciada, e tenta tirar do papel um acordo com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para investir na modernização de sistemas tecnológicos. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Existe uma explicação para o fato de, apesar de a CVM estar cada vez mais rigorosa e punitiva, ainda haver casos de informação privilegiada?
As operações societárias envolvem muita gente. Às vezes, há mais de dois lados envolvidos, o que torna o controle da informação mais difícil. Há medidas preventivas que não sei se são adotadas integralmente pelas empresas. À medida que nosso trabalho for mais eficiente, deve mudar a percepção por parte dos agentes de mercado que ainda arriscam, que acham que há uma chance de não ser punido e por isso decidem cometer um crime, que é o caso da negociação com base em informação privilegiada. Mas não vai acabar. É um problema bem disseminado.
Recentemente, a CVM rejeitou propostas de acordo em processo de informação privilegiada na venda da Suzano Petroquímica para a Petrobrás, em 2007, porque os valores não chegavam ao dobro dos ganhos com as operações investigadas. A CVM adota esse critério, do dobro do lucro, para extinguir processos?
Tem sido o piso na aceitação de propostas de encerramento de casos envolvendo informação privilegiada quando há um lucro auferido por meio da operação. Se não vier uma proposta nesse patamar, a gente rejeita. A rejeição é bem mais comum que a aceitação. Só oferecer o dobro do valor não é necessariamente suficiente. É preciso que o problema tenha sido corrigido ou não esteja mais acontecendo. E se houver prejudicados a serem indenizados, que sejam identificados na acusação, o acordo só sai se esses prejuízos forem ressarcidos. Recentemente aceitamos um acordo referente ao pagamento de um fundo de pensão, que era o cotista exclusivo de um fundo de investimentos onde havia a acusação de irregularidade. Os acusados indenizaram o prejudicado.
A CVM tem divulgado muitos acordos para encerrar processos...
O comitê de termos de compromisso vem tendo muita demanda por parte daqueles do mercado interessados em fazer uma proposta para encerrar casos. Vemos como um indício da melhor qualidade da acusação, mais técnica e mais embasada. Isso faz com que ele não queira correr o risco de ser julgado.
É melhor que haja um acordo com pagamento para que se encerre um processo?
Depende do caso e a gente decide se aceita ou não a proposta. No geral, acho um acordo uma solução muito boa em termos de custo/benefício para o interesse público. Permite que casos sejam arquivados num estágio anterior, reservando recursos e esforços para outros na fila. Por mais que, em algumas situações, seja conveniente levar a julgamento, o fato de o envolvido se dispor a desembolsar uma quantia para encerrar um processo é algo que tem uma repercussão concreta para ele muito maior e dá uma sinalização para o mercado de consequência concreta. A maioria dos casos não leva à inabilitação ou punições desse tipo.
Como é possível dar agilidade aos processos no caso de informações privilegiadas?
A CVM vem se esforçando para dar agilidade aos processos, tanto que o estoque hoje é técnico. Foram contratados consultores externos para fazer um diagnóstico da demora. O diagnóstico foi entregue à CVM em 2007, e a partir dele mudou-se a forma de encaminhamento das investigações. Tivemos como objetivo aumentar o grau de eficiência nos processos e dar celeridade. Ao mesmo tempo, acertamos um convênio com o Ministério Público e estamos trabalhando agora em um convênio de cooperação técnica com a Polícia Federal. A parceria técnica com a PF ainda não foi assinada, por enquanto é uma intenção. Além disso, vamos contratar um sistema de acompanhamento de mercado mais automatizado e avançado, que incorpore dados ao nosso radar que nos permitam detectar mais rapidamente e mais precisamente movimentos que sejam suspeitos.
Quando a contratação deve ser feita?
Está um pouco complicada. Uma parte do dinheiro é do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). É uma licitação internacional e precisa de uma validação por parte do Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento (Pnud). Isso está demorando uma barbaridade. A licitação está feita. Espero que o resultado saia logo porque, como todo o sistema está especificado, em pouco tempo ele pode ser colocado em teste. Enquanto isso, todos estão focados em objetividade e fazer tudo com rapidez. Muitas vezes o sucesso depende da velocidade com que você chega mais perto dos fatos, de pegar as pessoas com a memória mais fresca.