Levantamento feito pelo Valor com as 200 maiores empresas de capital aberto do país por ativos aponta que 102 contrataram a própria firma de auditoria para prestar outros serviços além da checagem dos balanços. Em 18 casos, o pagamento desses contratos extras equivaleu a mais de 50% do montante pago pela auditoria das demonstrações financeiras. Dez empresas pagaram mais por outros serviços do que pela auditoria.
O estudo foi feito com base nos dados dos Formulários de Referência, que passaram a ser divulgados obrigatoriamente este ano. Nos números, não há distinção entre serviços extras relacionados a auditoria e outros tipos de serviços ou consultoria.
A legislação não impõe limite máximo de valor para prestação de outros serviços, sejam eles relacionados a prática de auditoria ou não. A única exigência está ligada à divulgação da informação, quando serviços não relacionados à auditoria representam mais de 5% do preço pago pela auditoria.
As cinco maiores firmas do setor no país - PricewaterhouseCoopers, Deloitte, Ernst & Young, KPMG e BDO - possuem clientes no grupo das 18 empresas em que o peso dos outros serviços foi maior do que 50% em 2009. De menor porte, a Canarim Auditores também aparece na lista, com dois clientes da área de energia.
As regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) não são categóricas sobre quais são os serviços extras proibidos para a firma que faz auditoria de uma companhia aberta.
Existe apenas a vedação genérica para serviços em que haja conflito de interesse e uma lista não exaustiva de exemplos de alguns desses casos, como "avaliação de empresas" e "planejamento tributário".
O julgamento para determinar se há ou não conflito de interesse cabe a cada firma de auditoria, ao analisar o caso concreto, ou ao próprio cliente, já que algumas empresas optam voluntariamente por não contratar os auditores para nenhum outro serviço.
No exterior, a discussão sobre conflito de interesses dos auditores está na pauta do órgão regulador do mercado no Reino Unido. Lá, assim como no Brasil, a proibição de prestação de determinados serviços que à primeira vista causariam conflito de interesses pode ser contornada por meio de salvaguardas, como exigir revisões adicionais do trabalho ou limitar o escopo do serviço. O uso indiscriminado de salvaguardas preocupa o órgão regulador britânico.
Antes da exigência de abertura desse tipo de informação no Formulário de Referência, a única informação sobre os serviços estava ligada à Instrução nº 381 da CVM. Essa norma exige que, quando forem prestados serviços não relacionados a auditoria em valor superior a 5% do que foi pago pela auditoria do balanço, a companhia aberta deve divulgar essa informação no relatório da administração das demonstrações financeiras anuais, informando o valor dos contratos e quanto eles representam dos honorários pagos pelos serviços de auditoria.
O cruzamento das informações prestadas conforme essa exigência da Instrução nº 381 com aquela que aparece no Formulário de Referência pode causar confusão para o leitor do balanço. Muitas empresas que relatam no formulário ter contratado serviços extras da auditoria divulgam informação diferente no balanço.
As auditorias argumentam que as informações pedidas pelas duas normas são distintas. O Formulário de Referência pede o detalhamento de todos os serviços prestados, enquanto a norma anterior fazia referência apenas aos serviços extras não relacionados a auditoria.
E aí surge outra dúvida, que é identificar o que é relacionado ou não à auditoria. Identificação de diferenças entre o padrão contábil brasileiro antigo e o IFRS e uma carta conforto para uma oferta pública de ações, por exemplo, quase sempre são considerados como relacionados a auditoria.
Já laudos de avaliação e auditorias fiscais e contábeis em aquisições aparecem nas duas classificações, dependendo da companhia aberta.
De qualquer forma, a decisão de enquadrar ou não o serviço dentro da Instrução nº 381 é da empresa que elabora o balanço e dos administradores que assinam o relatório da administração.
Questionados sobre a falta de um padrão, os auditores argumentam que relatório de administração, como o próprio nome diz, não é de sua responsabilidade. Eles leem o documento, mas só podem exigir mudanças quando algum dado ali informado for contraditório em relação ao que aparece nas demonstrações financeiras.
Todas as 18 empresas que aparecem na lista do quadro acima cumprem o que exige a legislação, ao dizer no relatório de administração que os serviços prestados foram todos relacionados à auditoria - casos de Fleury, Duratex, Marfrig, Ampla, Santander, Coelce, Hypermarcas, BRB, SLC, Whirlpool, Dufry e CPFL Piratininga - ou dando abertura sobre os casos em que foram prestados outros serviços, situações em que se enquadram as demais - Positivo, Paranapanema, BM&FBovespa, Natura, Iguatemi e Usiminas.
Entre os relacionados a auditoria, a maior parte dos serviços foi ligada a prospecto de oferta de ações ou títulos de renda fixa, além de laudos de avaliação de incorporadas e consultoria em IFRS.
No caso dos serviços não relacionados, o argumento mais comum das empresas é dizer que o auditor não está auditando seu próprio trabalho, não ocupa função gerencial na companhia e não perdeu a imparcialidade por conta daquele serviço.