Um dos cinco pactos lançados pela presidente Dilma Rousseff em junho do ano passado, o ajuste fiscal será feito às custas do bolso do contribuinte. Sem conseguir diminuir a gastança de dinheiro público, o governo teve de recorrer à Receita Federal para cumprir a meta de economizar uma parcela dos recursos públicos para pagar os juros da dívida, e, com isso, fazer o chamado superavit primário. Em 2013, o Leão abocanhou nada menos que R$ 1,1 trilhão em impostos e contribuições federais, volume mais de 4% superior ao do ano precedente, já descontada a inflação do período. Só em dezembro, a arrecadação chegou a R$ 118,3 bilhões. Ambos os números foram os maiores já registrados pelo governo desde 1995.
O mercado não esperava um resultado tão forte. A consultoria Tendências estimava que a arrecadação de dezembro alcançasse R$ 100,4 bilhões. “Foi um número realmente surpreendente”, disse um analista, que pediu anonimato. Para o especialista em contabilidade pública Raul Velloso, o governo deve recorrer cada vez mais às arrecadações recordes para compensar a falta de disposição para cortar despesas públicas. “Num ano eleitoral, reduzir gastos é suicídio político. Então, para conseguir cumprir as metas fiscais, o Executivo vai atacar o que consegue, que é justamente estimular a arrecadação”, disse.
Parcelamento
Em 2013, boa parte do resultado foi obtida a partir de receitas extraordinárias. No ano passado, após diagnosticar problemas na arrecadação, o governo negociou no Congresso Nacional a aprovação de mais um parcelamento especial, o chamado Refis da Crise. Empresas em débito com o Fisco puderam parcelar as dívidas antigas com perdão de até 100% de multas e de juros. As facilidades levaram centenas de companhias a buscarem regularizar as dívidas. O resultado foi uma arrecadação extra de R$ 28,3 bilhões, dinheiro obtido não só com os parcelamentos no âmbito da Lei 12.865, mas também por meio de outros pagamentos extraordinários feitos pelas empresas.
Sem essa ajuda, a arrecadação teria crescido 2,35% em 2013. Com ela, o resultado foi bem mais vistoso: uma alta de 4,08%. “O governo deve usar os meios possíveis e legais para arrecadar impostos, e os parcelamentos são uma forma legítima de engordar os cofres públicos. No entanto, é preciso ter em mente que essas receitas que ajudaram a bombar o resultado de 2013 não vão se repetir este ano”, disse o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, da Logos Consultoria Fiscal. Ele é enfático ao apontar o caminho para que o governo consiga cumprir as metas fiscais: reduzir os gastos que estejam ao alcance do Executivo.
Os dados da Receita Federal não consideram todas as receitas do governo, como a obtida com o leilão de concessão do campo petrolífero de Libra, que engordou os cofres públicos em R$ 15 bilhões. Também ficam de fora da conta os dividendos pagos pelas empresas estatais ao governo.
Nervosinhos
No início do ano, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, antecipou que o superavit primário do governo central (Tesouro, Banco Central e Previdência) foi de R$ 75 bilhões, acima, portanto, da meta definida na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), de R$ 73 bilhões. Ao antecipar um dado que só será confirmado na semana que vem, o ministro disse que esperava acalmar os “nervosinhos do mercado”.
Foi um recado aos analistas que criticam a política fiscal do governo e reclamam do fato de o governo gastar mais do que arrecada. Raul Velloso encaminhou ao Correio um estudo sobre a evolução das receitas e dos gastos públicos nos últimos anos.
Os dados mostram uma realidade que o governo insiste em negar: apesar dos sucessivos recordes da arrecadação, as despesas têm crescido em ritmo quase três vezes maior. Em novembro de 2013, as receitas aumentaram 2,6% no acumulado de 12 meses, ao passo que as despesas dispararam 6,1%. Com um detalhe importante: quase tudo foi para manter a máquina pública em funcionamento, mas muito pouco se transformou em investimentos necessários para robustecer a economia.
Rebaixamento
A consequência do avanço do gasto público foi o achatamento dos resultados primários, que caíram consideravelmente desde o pico da crise mundial, em setembro de 2008, comprometendo a credibilidade do governo perante os investidores. “Era uma questão de aritmética. Afinal, uma hora os superavits iam começar a ceder, o que de fato ocorreu”, disse Velloso. Caso os baixos resultados fiscais persistam, o país poderá ter sua nota de crédito rebaixada pelas agências de classificação de risco. Duas das três maiores — a Moody’s e a Standard & Poor’s — já sinalizaram que podem tomar essa decisão ainda em 2014. O alerta colocou a equipe econômica em atenção.
“Esperamos que este ano seja menos tenso”, disse ontem o secretário da Receita Federal, Carlos Alberto Barreto. A preocupação tem justificativa. Se em 2013, as receitas extraordinárias garantiram um fôlego extra ao governo, a aposta dos auxiliares de Dilma Rousseff é de que, neste ano, a desaceleração da política de estímulos tributárias ajudará a incrementar a arrecadação. “Na área do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de veículos e de produtos de linha branca, os incentivos já estão sendo reduzidos. E a orientação do governo é a de trabalhar menos com desonerações”, explicou Barreto. Em 2013, elas custaram R$ 77,8 bilhões — um aumento de 67% em relação aos R$ 46,5 bilhões de 2012.